UNIVERSIDADE
FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA
CENTRO
DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Programa
de Pós-Graduação em Educação do Campo - PPGEDUCAMPO
Mestrado Profissional em Educação do Campo
www.ufrb.edu.br/educampo
|
Gidelmo Santos de
Jesus
As Lutas e
os Movimentos Sociais do Campo no Alto Sertão Sergipano
Trabalho construído a partir do
componente: Educação e Movimentos Sociais, ministrado pela professora Drª.
Nalva Araújo no Mestrado Profissional em Educação do Campo – PPGEducampo/UFRB.
Amargosa- BA
2017
As Lutas e os Movimentos Sociais do Campo no Alto
Sertão Sergipano
Gidelmo Santos de Jesus[1]
I. INTRODUÇÃO
O trabalho aqui apresentado é resultado dos procedimentos e levantamentos
acerca das principais lutas e manifestações ocorridas no Alto Sertão Sergipano
no decorrer das décadas de 1970-1980 até a atualidade. Assim, é possível compreender que esse é um
período de intensas lutas nesse território, sobretudo, luta pela terra, que
acompanhado com tal processo, também surgem outras lutas, como por educação,
moradia, etc.
O Alto Sertão Sergipano corresponde sete municípios da parte noroeste do
Estado de Sergipe – Canindé de São Francisco que faz divisa com Alagoas e Bahia
no extremo noroeste; Gararu; Monte Alegre de Sergipe; Nossa Senhora da Glória;
Nossa Senhora de Lourdes; Poço Redondo; e Porto da Folha – com uma área total
de 4.900,683 Km² de extensão correspondente a 22,37% de todo o território do
Estado de Sergipe, segundo dados do IBGE de 2007 que também dispôs em 2001 que
a densidade demográfica dessa região é de 28 habitantes por Km². É um
território com um déficit habitacional de 5.042 unidades, taxa de urbanização
de 44,32% e taxa de analfabetismo em torno de 37%. OS municípios são caracterizados
pela vegetação de caatinga e clima semiárido, porem é uma região marcada por
lutas e conflitos agrários desde a década de 1970.
O território do alto sertão abriga ainda, uma população tradicional de
comunidades quilombolas, distribuídas nos municípios de Poço Redondo e Porto da
Folha. Com destaque, para os últimos remanescentes de indígenas do Estado:
tribo de índios xocós na Ilha de São Pedro, no Município de Porto da Folha.
Nesse sentido, foi desenvolvidas coletas de materiais para a construção de
um dossiê das diversas formas de lutas em todo o território do alto sertão, envolvendo
textos e noticias acerca de tais manifestações, os quais se encontram no blog
Mestrado Educampo UFRB. Essa coleta se deu por meio de pesquisa em bibliotecas
da região, sem muito sucesso, diga-se de passagem, em arquivos pessoais de
lideres que fizeram/fazem parte dos movimentos e por meio da internet, o que
nos possibilitou ter acesso a dados que compõe, tanto o dossiê, como este
texto.
Pode-se perceber, contudo, que ainda há uma pobreza no que se refere a
registros destas lutas, sobretudo nos períodos anteriores ao século XXI , os
próprios organizadores, ou seja, os movimentos sindicais, sociais e religiosos
não tiveram o cuidado em arquivar as noticias a respeito das ações
desenvolvidas. No entanto, é possível encontrar em estudos mais gerais do
estado de Sergipe, diversos trabalhos de monografia, dissertação, teses e
artigos que trazem elementos destas lutas e destes movimentos.
Tivemos a oportunidade de pesquisar – tanto na licenciatura em história
pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), como na especialização em
residência agrária pela Universidade Federal de Sergipe (UFS) – esses períodos
da história dos movimentos e lutas sociais para a realização do trabalho de
conclusão de curso, portanto, foram duas monografias que abordam de forma geral
as lutas deste período. É
importante citar aqui também, um dos estudos mais completos e pontuais
desse processo, que é a tese de doutorado da professora Theresa Cristina Zavaris Tanezini[2],
intitulada – Territórios em Conflito no
Alto Sertão Sergipano
– apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Sergipe, que
traz elementos específicos acerca dessas lutas no Alto Sertão Sergipano,
sobretudo os avanços da luta pela terra e da construção da reforma agrária.
Neste sentido, é importante
ressaltar também que, no período das décadas anteriores ao século XXI, por ser
um período mais distante, os registros por meio da internet são ainda mais
escassos. Assim, tendo que recorrer a arquivos pessoais de lideranças, bem como
através da memória destes, sendo as fontes limitadas para a construção de um dossiê
que traga maiores informações destas lutas. Contudo, percebe-se também que na
década de 1980 as lutas eram mais localizadas e por ainda sofrerem resquícios
do regime militar não eram ações fáceis, ou seja, ainda havia muita
repressão policial, o que não estimulavam a participação massiva nas lutas e
manifestações.
Já na década de 1990, sobretudo a partir de
1996, as lutas passam a se intensificarem no Alto Sertão Sergipano de forma a garantir uma expansão,
sobretudo, da luta pela terra em todo o território, o
que vai se intensificar e ganhar destaque na primeira década do século XXI. Desde
modo, aglomerando novos públicos e novas frentes de luta, como é o caso da participação da formação do Coletivo de Juventude e do
Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), entre outros.
Diante do que foi coletado, faremos a seguir uma
descrição simplificada, sem maiores aprofundamentos, das principais lutas
existentes no Alto Sertão Sergipano em cada uma destas décadas, conforme a
junção do material a respeito das mesmas postadas no blog, citado anteriormente.
II. Primeiros
resquícios das lutas do Campo no Alto Sertão Sergipano
Uma das primeiras manifestações de luta de que temos noticia no Alto
Sertão Sergipano é a presença do cangaço, como
elemento de luta contra o poder dos coronéis, muito
forte no nordeste. O cangaço em Sergipe tem grande impacto na região do
semiárido, ou seja, do alto sertão, sobretudo nos municípios de Porto da Folha,
Canindé de São Francisco e Poço Redondo onde tombaram Lampião e seu bando na
Grota de Angicos em 28 de julho de 1938.
Outra Importante luta, mais antiga que se tem noticia, e se intensifica
no Alto Sertão a partir da década de 1970, que se estende até a primeira década
do século XXI, são as lutas das comunidades tradicionais, as quais se
organizavam pela posse, reconhecimento e demarcação de suas terras. Destacamos
aqui, principalmente a luta dos índios Xocós no município de Porto da Folha e
dos remanescentes de quilombos, no mesmo município, e a luta da comunidade Guia
no Município de Poço Redondo, como descreve TANEZINI (2014):
No Alto Sertão Sergipano a luta dos povos tradicionais pela
reterritorializaçao se deu ao longo das três décadas da luta pela terra, a
partir do final da década de setenta, atravessando suas três fases: os índios
Xocó, inauguraram a questão agrária e a alteração desse espaço agrário - em
1979 e permaneceram em luta até completar seu território com o reconhecimento oficial da fazenda Caiçara,
em 1991. A luta pelo reconhecimento das áreas de remanescentes de quilombos
iniciada em 1992, com a luta do Mocambo, titulada em 2000 e a luta de
Serra da Guia iniciada em 2004 se prolongou até 2013. (TANEZINI, 2014, p. 360)
Ainda no final
da década de 1970, os índios ocupam o território da ilha de São Pedro no
município de Porto da Folha, território esse, circulado pelo Rio São Francisco,
e que será conquistado há uma media de dez anos depois de iniciada a luta, como
descreve Beatriz Goes Dantas, citada por TANEZINI (2015):
Segundo Beatriz Goes Dantas,
em 1978, após várias tentativas de serem reconhecidos como donos das
terras, os Xocó, ocuparam a ilha de São Pedro, com apoio de militantes do PT,
do DCE da UFS e a comissão Pró-Indio/SE, recém criada no mesmo ano
nacionalmente, segundo Santos (2008). A primeira luta vitoriosa pela terra no
Alto Sertão Sergipano foi o reconhecimento da Ilha de São Pedro, como
território Xocó, em 1979. (In. TANEZINI,
2015, p. 364)
Já a luta dos
remanescentes de quilombos na região é ainda mais antiga, pois
os negros do mocambo em Porto da Folha já viviam ali desde o final do século
XVII lutando pela demarcação e posse desta terra.
...a respeito do Mocambo de
Porto da Folha, os “mocambeiros” viviam naquelas terras reivindicadas como
território desde o final do século XVII, há mais de 300 anos. “Quilombos eram
lugares escondidos no interior onde os escravos fugidos se refugiavam e ali
formavam comunidades de resistência, Muitos índios também seguiam os negros na
fuga contra a escravidão”. (TANEZINI,
2015, p. 370)
No que se refere à luta da comunidade Guia,
também de remanescente de quilombo, no município de Poço Redondo, apesar de já
estarem nessa comunidade há muitos anos, só se tem registro do
processo de luta desses povos a partir da década de 1990, como veremos no
tópico a seguir.
Alem das lutas dos
índios e dos negros, a década de 1980, foi um período de lutas ligadas,
sobretudo a igreja católica a partir das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), que articulou por todo o Brasil
diversas manifestações e lutas voltadas para a organização dos trabalhadores do
campo e da cidade, e vai dar origem a Comissão Pastoral da Terra (CPT) que desenvolverá importantes
lutas pela terra por todo o país, como descrevemos em nosso trabalho de
monografia[3]:
Também inspirada pela Teologia da
Libertação, surgem as CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) como forma de
organizar os trabalhadores rurais e urbanos na luta contra as injustiças e por
seus direitos, que, em meados da década de 1970, já existiam em todo o Brasil.
Em 1975, é criada, em Goiânia, a
Comissão Pastoral da Terra (CPT), a partir das comunidades das CEBs, em meio a
inúmeros conflitos e devastação de povos indígenas na região amazônica. Com a
eclosão de conflitos pela terra em todo o país, a CPT passa a atuar, a nível
nacional, em um organismo pastoral autônomo. (JESUS, 2008, p. 18).
É
nesse contexto que acontecem as lutas por terra no Alto sertão sergipano na
década de 1980, que se dão através da CPT e dos Sindicatos de Trabalhadores
Rurais (STRs).
A
primeira luta que se tem registro nesta década (1980) no Alto Sertão é a ocupação
da Fazenda Morro do Pato, no município de Nossa Senhora da Glória, em agosto de
1985, por trabalhadores rurais ligados ao STR, como descreve SOBRAL (2002):
Morro do Pato, no Município de Nossa
Senhora da Glória, foi a primeira ocupação de terra no Estado de Sergipe, no
período de abertura política, em agosto de 1985. Tratava-se de um latifúndio
pertencente a diocese de Propriá e que estava abandonado. Alguns camponeses,
muitos dos quais ligados ao Sindicato Rural de Nossa Senhora da Glória, sob a
direção de João Santana, mais conhecido como João Sessenta, começaram a fazer
roças comunitárias na área e, após varias discussões, resolveram ocupar aquela
área. (SOBRAL, 2002, p. 66)
Nesta ocupação, tem-se registro que os
trabalhadores tiveram apoio da própria igreja através de freiras que os ajudavam, porem, quando se instalou o conflito, elas
recuaram e tomaram partido da igreja. (SOBRAL, p. 66 2002). Foi uma
ocupação marcante para o desenvolvimento de lutas posteriores, como é o caso Barra
da Onça.
A Luta pela terra, na
fazenda Barra da onça no
Município de Poço Redondo, foi importante, inclusive para o surgimento do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em Sergipe. A ocupação se
deu em setembro de 1985, articulado tanto pelos STRs como pela CPT, e foi
organizada a partir de diferentes frentes de ocupação, ou seja, cada grupo
ocupou um ponto diferente do latifúndio, como descrevemos em outro trabalho monográfico[4],
foi uma luta protagonizada pelos
Sindicatos de Trabalhadores Rurais de Poço Redondo, Nossa Senhora da Glória e
Porto da Folha, com apoio da Pastoral da Terra e da Pastoral Social de Poço Redondo
ligado à Diocese de Propriá (JESUS, 2015 p. 48). Vale ressaltar que a
Fazenda Barra da Onça, foi o primeiro imóvel desapropriado no estado de Sergipe
para fins de reforma agrária. Na ocupação, se deram conflitos, que ainda sofria
repressão militar com operações
policiais violentas, como descreve SILVA E LOPES (1996):
A primeira operação policial para desalojar as 17
famílias do “grupo de Poço Redondo” aconteceu no dia 26 de setembro de 1985.
Fazia apenas três dias que eles haviam ocupado o imóvel. Expulsos. Acamparam em
um local a beira de uma estrada próxima a “fazenda”. (SILVA E LOPES, 1996,
p.34).
SOBRAL ainda
acrescenta,
No dia 5 de outubro, a polícia não satisfeita,
destruiu o acampamento na beira da estrada. Os ocupantes então mudaram a
estratégia, chamada por Raimundo de assentamento popular: de dia, eles ocupavam
as terras e, de noite, eles voltavam para Poço Redondo para dormir. E este
grupo inicial começou a crescer rapidamente, mesmo diante das pressões. O grupo
marcava as assembleias na caatinga e discutia as formas de encaminhamento dos
problemas. Nessas reuniões apareceu um grupo de apoiadores de Nossa Senhora
da Glória, de mais ou menos dez pessoas, dentre eles João Santana, Mikchael
Dessy e Madalena Santana. (SOBRAL, 2006, p. 108, grifos nossos).
Alem das ocupações, ocorreram também importantes mobilizações
pela desapropriação de terras e contra as oligarquias rurais daquele período na
região. Entre estas manifestações, destacamos uma que aliava luta e
Fé, que foi a realização da 9ª Romaria da Terra em Poço Redondo, com o tema “Terra dom de Deus, conquista de um povo” em
outubro de 1986 (SOBRAL, 2002, p. 55). Foi um evento de animação e
resistência na luta e o fortalecimento entre os trabalhadores e a pastoral da
terra da Diocese de Propriá.
Os trabalhadores que não foram assentados em barra da onça juntaram-se a outros trabalhadores
ligados aos STRs de outros município, e ocuparam a Fazenda Pedras Grandes, também no
município de Poço Redondo, como relata o Senhor Sebastião em entrevista
concedida a nós para a realização do nosso trabalho monográfico:
Os excedentes de Barra da Onça ocuparam, em 26 de
dezembro de 1986, a Fazenda Pedras Grandes, no mesmo município, que era do
mesmo dono e que estava abandonada. Juntaram-se a eles trabalhadores de Monte
Alegre e do povoado Sítios Novos. O acampamento, assim como Barra da Onça
também sofreu perseguição da Policia Militar e dos fazendeiros, sob comando do
então governador do estado, como relata um assentado entrevistado. Quando
fizeram os barracos ali do lado de cima, foi quando a policia veio, prendeu
gente, escurraram outros, queimaram barracos, queimou galinha, panela,
feijão, o que tinha dentro, derrubaram tudo e queimaram com tudo... (Sebastião
da Silva Neto, em entrevista a este autor em 19/12/2007).
Como relatados pelo Senhor
Sebastião, Pedras grandes também foi uma
luta de grandes desafios pelas diversas repressões, mas, assim como Barra da
Onça, conseguiram conquistar a terra e passaram a serem exemplos de luta e
resistência para o estado de Sergipe.
Trabalhadores destas ocupações participaram do Congresso de Fundação
do MST em 1985, que juntamente com outras lideranças no estado de Sergipe
fundaram este Movimento. Como descreve Morisawa, A formação do MST em
Sergipe começou com a participação de 9 representantes no 1º Congresso Nacional.
Os conflitos por terra estavam então em plena efervescência, nas regiões de
Própria e Pacatuba. (MORISAWA 2001, p. 182, grifos nossos). A partir de
então com a unificação das lutas por terra se dão por este Movimento que passa
a se expandir por todo o estado de Sergipe e não se tem noticias de outros
movimentos e lutas nessa região até meados da década de 90.
III. A efervescência da Luta Pela Terra no
Alto Sertão Sergipano na década de 1990
As lutas no Alto Sertão sergipano, na
década de 1990, se deram sobretudo pela organização do Movimento Sem Terra que desenvolve
nesse período sua fase de expansão pelo estado de Sergipe. Contudo, o MST tinha
os STRs como espaço de discussão nos municípios da região e passam a
intensificar a luta a partir de 12 de março de 1996 com uma grande ocupação de
trabalhadores no alojamento da Companhia Hidroelétrica do São Francisco (CHESF)
as margens do Rio São Francisco no município de Canindé de São Francisco, a
qual tinha o objetivo de unificar forças e ocupar posteriormente vários
latifúndios espalhados por todo o território. Eram cerca de
duas mil famílias que ocuparam o alojamento, representando a maior ocupação do
Movimento Sem Terra, até então, no estado de Sergipe, como descrevemos em nosso
trabalho de monografia, citado anteriormente:
Essa ocupação tinha seus objetivos e
finalidades definidas, ou seja, reivindicava-se a desapropriação das Fazendas
Cuiabá (com 2.023 hectares), e a Fazenda Bela Vista (com 1.200 h), ambas no
município de Canindé do São Francisco. Porém, a principal reivindicação se dava
pela desapropriação de 15 mil hectares no município de Poço Redondo,
incluindo-se nelas mais de cinco mil hectares que transformariam o Projeto de
Irrigação Jacaré Curituba, em projeto de assentamento de Reforma Agrária, que
teriam sido planejados para a implantação de lotes empresariais.
Os trabalhadores envolvidos nessa
ocupação eram oriundos de todos os municípios do sertão sergipano, como também
trabalhadores vindos de Alagoas, Pernambuco e Bahia. Em sua maioria, eram
trabalhadores rurais que trabalhavam no alugado para grandes e pequenos
latifundiários da região, mas também trabalhadores urbanos, que haviam sido
expulsos do campo com o avanço do agronegócio, além daqueles que haviam ficado
desempregados com o fim das obras da hidroelétrica de Xingó. (JESUS, 2008, p.
30-31).
Assim,
oriundas desta ocupação, varias outras se deram em reivindicação dos referidos
latifúndios, que é o caso da marcha que ocupou em 12 de abril de 1996 a Fazenda
Cuiabá, como descreve em seus versos o poeta José Ailton Franculino dos Santos
a respeito da referida ocupação:
Só passaram 30 dias
Na CHESF sem trabalhar
O fazendeiro Antônio Dutra
Começou andar por lá
Disse a porteira está aberta
Da fazenda Cuiabá
...
Formaram duas fileiras
Amigo vou lhe explicar
Chegando em Canindé
Só via o povo falar
Estamos no fim da era
O mundo vai se acabar
...
Ainda de origem da ocupação da CHESF, e sendo
a terra da Fazenda Cuiabá em Canindé de São Francisco, insuficiente para todos
os acampados, os excedentes ocuparam no dia 18 de setembro de 1996 a fazenda
Alto Bonito que abrangia terras de
dois municípios - Canindé do São Francisco e Poço Redondo. Essa grande ocupação do Alto Bonito, com
mais de 1.800 famílias, formou uma verdadeira “cidade de lona preta” com grande
visibilidade por localizar-se nas margens da rodovia estadual SE-230. (TANEZINI,
2014, p.395).
A partir das ocupações, realizaram-se
marchas, como é o caso da Marcha Nacional realizado em 1998, que, em Sergipe,
aconteceu de 24 de agosto a 07 de setembro saindo de Canindé a Aracaju. Os
trabalhadores, em sua maioria de Poço Redondo, percorreram aproximadamente 200
km com as mais diversas reivindicações, juntando-se, aos trabalhadores das
demais regiões e a outros movimentos, participaram
do grito dos excluídos no dia 07 de setembro. Outras importantes marchas,
mobilizações e atos se deram por toda a região por reivindicações para os
acampamentos espalhados por vários municípios, com destaque para Poço Redondo
que concentrou o maior numero de ocupações na década de 90.
IV. Novos campos de luta no Alto Sertão
Sergipano no inicio do século XXI
A primeira década do século XXI no Alto Sertão Sergipano é marcada por
transformações nas lutas estabelecidas neste território. Muitas das ocupações
realizadas pelo MST já haviam conquistado a terra, as lutas desenvolvidas na
ultima década do século anterior passa a dar visibilidade na construção de um
processo de reforma agrária. Deste
modo, as lutas passam a ganhar novos campos de atuação e inclusive
surgindo novas frentes de luta, ou
seja, estas se desligam apenas da luta pela terra e passam a ter grande
atuação, pela organização de novas comunidades de pequenos agricultores, e a luta de jovens
por direitos a educação. Assim, lutas antigas, como é o caso dos quilombolas,
continuam a se desenvolverem na região.
A luta da Serra da Guia em Poço Redondo, sobretudo pela demarcação do
território quilombola, que embora não haja registros históricos de como esses
remanescentes chegaram naquela região, nem de quando se inicia a luta pela
posse daquelas terras, ganham ênfase a partir da primeira década do século XXI.
A luta da Serra da Guia, em Poço Redondo, com 197 famílias
(871 pessoas), igualmente apoiada pelas pastorais sociais da mencionada Diocese
de Propriá, pelo seu reconhecimento enquanto comunidade remanescente quilombola
é bem mais recente e se iniciou na primeira década do século XXI.
Diante da nova legislação o processo foi em grande parte
tornou-se responsabilidade do INCRA, após a auto-identificação da comunidade e
reconhecimento pela Fundação Cultural Palmares, sob processo INCRA nº
45370000549/ Serra da Guia 2005/38.
O processo avançou a partir de 25 de fevereiro de 2010, com
a conclusão do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação do Território
(RTIDT) da Comunidade Remanescente de Quilombo “Serra da Guia”, Poço
Redondo/SE, pela Divisão de Ordenamento da Estrutura Fundiária do INCRA-SR
23/SE. (TANEZINI, 2014, p. 374)
Entretanto, as ocupações
de
terra no alto sertão lideradas pelo MST continuam com ênfase nesse inicio de
século, embora com números bem mais reduzidos de famílias conforme descreve TANEZINI
(2015):
Apenas em
Monte Alegre a situação se manteve a mesma do ano anterior nos 8 acampamentos
(116 famílias) antigos criados entre 2003 e 2007.
A estratégia
de ocupação vem sendo afetada pela possibilidade concreta de vitória
majoritariamente constituída de assentamentos bem menores que no início do
processo de reforma agrária. Dessa forma ao invés dos grandes acampamentos-mãe
numa região, predominam hoje os pequenos acampamentos de 5 a 29 famílias,
seguidos pelos médios de 30 a 99 famílias, disseminados em diversas áreas,
sendo raros (apenas quatro) os grandes assentamentos de mais de 100 famílias:
Herbert de Souza, com 288 famílias, em Poço Redondo, iniciado em 1999; Adão
Preto com 110 famílias, em NSa Glória, iniciado em 2000; Manoel Dionízio Cruz
com 120 famílias e Luiz Alberto com 227 famílias, ambos em Canindé do São
Francisco, iniciados em 2010 (INCRA/OUVIDORIA AGRÁRIA, 13/12/2010)1 sendo que
não surgiu nenhum grande acampamento até outubro de 2011. (TANEZINI, 2014, p.
416)
Contudo,
como já dito anteriormente, as lutas nesse período não se concentraram apenas pela
terra, mais passaram a ganhar novos campos de atuação, como é o caso do
Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) que passa a organizar agricultores a
partir da Comunidade Retiro no Município de Monte Alegre no ano 2000, conforme
lideranças contactadas. Expandindo para diversas outras, a exemplo, das
comunidades Santa Rita e Pelado no Município de Canindé de São Francisco;
Comunidade Cururu, Garrote do Emiliano e Maranduba em Poço Redondo; Comunidade
Lagoa da volta em Porto da Folha, entre outras. O MPA passa a atuar também na discussão acerca
da produção de
alimentos saudáveis e
na organização dos agricultores através do seu plano camponês, bem como, contra
os transgênicos e pela soberania alimentar e trazendo discussões acerca da
organização da produção e na luta contra a exploração destes trabalhadores.
Cabe
destacar aqui, outra forma de organização da luta nesse inicio de século (XXI),
que é o caso da atuação do Coletivo de Juventude Campo e Cidade do Alto Sertão,
articulado e formado por jovens oriundos de grupos sociais, como
relatam os membros do coletivo Damião e Elielma:
O
Coletivo da juventude Campo e Cidade do alto sertão sergipano é uma articulação
da juventude dos Movimentos Sociais do campo, pastorais, grupos culturais,
sindicatos, estudantes dos diversos municípios do alto sertão sergipano, que
desde 2008 vêm buscando se organizar enquanto juventude da classe trabalhadora
para unificar força e bandeiras de luta. Partindo a principio de uma analise da
conjuntura política e da realidade social da juventude do alto sertão
sergipano, diante dessa realidade se percebeu a necessidade da juventude
sertaneja buscar instrumentos de organização, para construir lutas comuns a
toda a juventude (In. http://mstsergipe.blogspot.com.br/2013/09)
O coletivo promove cursos de formação para a
juventude do alto sertão e encabeçaram a luta pelo campus da Universidade
Federal de Sergipe (UFS) no Alto Sertão Sergipano que foi retomada pelo
coletivo no ano de 2009 com varias ações na região por meio de Território da
Cidadania do Alto Sertão. Dessas lutas, destacamos a principal delas, que foi a
marcha que aconteceu em 11 de agosto de 2011, (...) com a
participação de 12 mil pessoas, saindo do Projeto de assentamento Queimada
Grande ao Ginásio de esporte da cidade de Poço Redondo, onde aconteceu
audiência publica[5].
Os
jovens ainda protagonizam a luta, não apenas por meio de um grupo especifico,
mais sobretudo, pela garantia dos direitos, entre eles o direito a educação. Como
é o caso da ocupação da rodovia SE206 em 10 de dezembro de 2015, por reinvidicações
nas melhorias para as escolas estaduais, sobretudo do Centro Estadual de
Educação Profissional Dom José Brandão de Castro que recebe educandos/as de
todo o Alto Sertão para os cursos tecnológicos em agropecuária e agroindústria.
Outro
destaque para a luta dos jovens pela educação, é a ocupação das escolas
estaduais em outubro e novembro de 2016, contra a PEC 241 – Atual PEC 55 – que trata do congelamento dos recursos
públicos da educação e saúde por vinte anos, bem como, contra a Lei 13.415, que
foi publicada em 2017 que trata das mudanças no ensino médio. Com destaque para
o Centro Estadual de Educação Profissional Dom José Brandão de Castro - que
tivemos a oportunidade de acompanhar e visitar – Colégio Estadual Justiniano de Melo e Silva,
ambos no município de Poço Redondo, e o Colégio Estadual Professora Maria
Zenite dos Santos no Povoado Lagoa Redonda no município de Porto da Folha. Alem
de outras tentativas de ocupações, como é o caso do Colégio Estadual Dom Juvêncio
de Brito no Município de Canindé de São Francisco e Colégio Estadual Manoel
Messias Feitosa no Município de Nossa Senhora da Glória e Colégio Estadual 28
de janeiro no município de Monte Alegre. Sendo esta uma luta que se deu em todo o Brasil e que
infelizmente o atual governo – golpista, diga-se de passagem – não respeitou a
luta destes jovens e ainda tem a indecência em propagandear que para a tal
mudança foi ouvida mais de 70% da população, desrespeitando assim a luta e a
população brasileira.
Nas primeiras décadas do século XXI, registrou-se
também outras lutas de movimentos e grupos sociais e de trabalhadores isolados,
como é o caso das ações dos sindicatos de servidores nos municípios, a exemplo
da manifestação de trabalhadores do campo e da cidade em Canindé de São
Francisco no 1º de maio de 2012. Entre estes enfrentamentos, algumas
manifestações pontuais de comunidades pela resolução de problemas constantes,
como a falta de água nos municípios e pela valorização do trabalho dos pequenos
produtores como é o caso do fechamento da rodovia SE206, conhecida como Rota do
Sertão, nas imediações do
Povoado Vaca Serrada, no dia 23 de
novembro de 2016, entre os municípios de Monte Alegre e Porto da Folha contra o fechamento
de fabriquetas e pequenos laticínios nos referidos municípios, conforme
noticiado pelo G1SE.
Diversas outras manifestações
espalhadas por todo o Alto Sertão Sergipano se configuram em processos que não
apenas estão dentro dos Movimentos Sociais, mais que acontecem de formas
diversas em todos os municípios.
V. CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Partindo
das informações por meio de noticias, livros, trabalhos acadêmicos e textos com
os quais tivemos acesso, podemos avaliar as proporções que as Lutas e Movimentos
Sociais tem tomado no Alto Sertão Sergipano e de como estas lutas tem
transformado a vida social e política na sociedade sertaneja. Assim, podemos
chegar a algumas conclusões que nos permite analisar tais proporções.
Primeiramente,
podemos constatar a importância da luta pela terra e consequentemente pela
Reforma Agrária para as transformações necessárias na realidade dos municípios
do Alto Sertão. Bem como, os rumos que as lutas tomaram, sobretudo para campos
mais abrangentes que envolvem novos públicos, como o caso da juventude na luta
pela democratização pela educação pública.
A partir do que foi desenvolvido
e relatado, conclui-se que as lutas no Alto Sertão
Sergipano se configuram em poucos movimentos sociais e a luta pela terra deixa
de ser o foco. No entanto, são as lutas por terra anteriores que de certa forma
se desencadeiam nessas novas formas de luta. Percebe-se grande importância da
articulação juvenil que parece ter aprendido das lutas dos movimentos sociais a
lutar por seus direitos e do seu protagonismo no meio social nos municípios de
toda a região. Contudo, mesmo essas lutas não se configurando como Movimento
Social, foi destes que surgiram o exemplo e garra nas lutas ultimamente
desenvolvidas no alto sertão os princípios e as formas de organização.
Percebe-se,
contudo que no decorrer dos anos e na evolução das lutas protagonizadas a principio
pelos movimentos sociais, que estas lutas tem ganhado forças e grande simpatia popular por demonstrarem na
pratica que a organização e a luta por seus direitos é a saída para garantir
direitos e pela inserção social dos grupos menos favorecidos. Desta forma, podemos
perceber que as lutas no Alto Sertão Sergipano, retratam as expressões de
transformações de vidas marcando etapas de construção de uma nova história.
É importante
ressaltar aqui que a falta de arquivamento de materiais necessários para a
realização de uma pesquisa acerca deste tema, é dificultado, pois não se
encontram nas bibliotecas da região materiais que dê suporte na construção de
um trabalho mais completo, sobretudo nas décadas anteriores a 1900. No entanto,
ainda existe uma grande memória viva destas lutas que precisam ser resgatado e
registrado.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
JESUS, Gidelmo Santos de.
A Luta pela Terra e a Consolidação do MST em Poço Redondo/SE – 1996/2000.
Trabalho de conclusão do curso de Graduação
apresentado ao Departamento de História, do Centro de Ciências Humanas, Letras
e Artes, da Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa/PB, Maio de 2008.
___________________.
O MST e a Transformação Agrária em Poço
Redondo - SE. Gidelmo Santos de Jesus. Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado como requisito final do
curso de Pós-Graduação Lato Sensu em
Residência Agrária, da Universidade Federal de Sergipe. – São Cristovão,
2015.
SANTOS, José
Ailton Franculino dos. Cordel: A luta e
a Conquista do Jacaré Curituba.
SERGIPE, Governo
do Estado de. Plano de Desenvolvimento
do Território. Secretaria do Estado do Planejamento. Sergipe, 2008
SILVA, Maria Neide Sobral da.
Contando nossa história: camponeses sergipanos e a luta pela terra.
UFS/PROEX/DED/NEPA/CEAD, 2002
SILVA, Rosemiro Magno da e LOPES,
Eliano Sérgio Azevedo. Conflitos de terra e reforma agrária em Sergipe. Universidade
Federal de Sergipe/EDUFS. Secretaria de Estado da Irrigação e Ação Fundiária,
Aracaju, SE: 1996.
SOBRAL, Maria Neide. História oral da vida
camponesa: Assentamentos de Reforma Agrária em Sergipe. São Cristovão:
Editora UFS, 2006.
TANEZINI, Theresa Cristina Zavaris.
Territórios em Conflito no Alto Sertão Sergipano. Tese de doutorado
apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal de
Sergipe, UFS. São Cristovão-SE, 2014.
[1] Licenciado
em História pela Universidade Federal da Paraíba; Especialista em Residência
Agrária (Agoecologia, Questão Agrária, Agroindústria e Cooperativismo) pela
Universidade Federal de Sergipe; Especialista em Metodologia do Ensino de
História pelo Centro Universitário Leonardo da Vince; Especialista em Educação
do Campo pela Faculdade São Braz; e Aluno Especial do Curso de Mestrado em
Educação do Campo pela Universidade Federal do Recôncavo Baiano. Email: gsjmst@yahoo.com.br
[2] Professora
do Curso de Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Sergipe;
coordenadora do Núcleo de Extensão em Desenvolvimento Territorial do Alto
Sertão Sergipano; Graduada em Serviço Social pela Universidade de Brasília - Brasília
- DF; Mestre em Sociologia, com área de concentração em sociologia rural pela
Universidade Federal da Paraíba, campus II - Campina Grande - PB; Doutora em
Geografia pelo Núcleo de Pós Graduação em Geografia da Universidade Federal de
Sergipe - São Cristóvão - SE. (UFS › SIGAA - Sistema Integrado de Gestão de Atividades Acadêmicas)
[3] Monografia do Curso de Licenciatura em
História pela Universidade Federal da Paraíba UFPB – intitulada A luta pela
Terra e a consolidação do MST em Poço Redondo/SE – 1996/2000. UFPB 2008.
[4] Monografia apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Residência Agrária da
Universidade Federal de Sergipe – UFS – intitulada O MST e a transformação agrária em Poço Redondo/SE.
UFS 2015.
[5] Elielma
Barros e Damião Rodrigues (Coletivo da Juventude
Campo e Cidade) Postado
por MST - Sergipe às 20:49 em 3 de setembro de 2013.
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