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sexta-feira, 30 de junho de 2017

Territórios em conflito no alto sertão sergipano



Territórios em conflito no alto sertão sergipano
Autor: 
Primeiro orientador: 
Conceição, Alexandrina Luz
Resumo: 
A Tese intitulada “Territórios em conflito no Alto Sertão Sergipano” tem como objetivo a reflexão crítica de dois processos sócioterritoriais distintos e conflitivos, fundados na apropriação da terra: de um lado, a territorialização e a monopolização do território pelo capital, hegemônica e vinculada à acumulação do capital em escala nacional e internacional, compreendido como desenvolvimento desigual e combinado; e, de outro lado, a resistência e recriação camponesa como territorialização alternativa; analisando o papel contraditório do Estado em face das territorialidades conflitantes que traduzem espacialmente a luta de classes no campo. Ao se adotar a Geografia Crítica como referencial teórico-metodológico, compreende-se o espaço social, como “lócus das relações sociais de produção”, resultante do processo de produção do espaço pelo capital em confronto com os movimentos sócioterritoriais, em uma abordagem relacional da concepção de território, que enfatiza os processos geográficos de T-D-R; enquanto lutas sociais, como versão geográfica da questão agrária. Objetivou-se analisar os processos empíricos que se desenrolaram, historicamente, na produção e transformação do espaço agrário do Alto Sertão Sergipano. Esta Tese defende três ideias centrais: 1ª) A conquista da terra pelos movimentos sócioterritoriais, sobretudo o MST, e a redistribuição fundiária massiva que marcou a experiência de reforma agrária nesse espaço geográfico, um ponto de inflexão na disputa territorial, reverteu o avanço do capital, e propiciou a recampenização dos trabalhadores rurais sem terra ao serem assentados; 2ª) A configuração da área reformada e as alianças entre assentados e os camponeses tradicionais, por meio de seus movimentos sociais, passando a exigir, em conjunto, seu reconhecimento enquanto sujeitos políticos e agentes econômicos gestam um abrangente e significativo território camponês; 3ª) Esse território alternativo questiona e também interfere no espaço hegemônico da ordem social e política dominante. Os resultados da pesquisa mostraram que as 6.092 famílias organizadas pelo MSTR, Pastorais Sociais, MST, além dos índios Xocó e dos Quilombolas (Mocambo e Serra da Guia), entre 1979 e 2014, conquistaram 104.612,28 hectares. A estrutura fundiária foi radicalmente alterada: do universo de 12.728 imóveis e 390.716 hectares cadastrados (INCRA, 2013), restaram apenas 05 latifúndios de mais de 1.000 hectares (0,03% do total), que abrangiam 6.392 hectares (1,6 % da área total). Em 48 acampamentos 1.575 famílias continuam lutando pela democratização dua terra. Na disputa pelo controle da água, o perímetro irrigado empresarial Jacaré-Curituba foi revertido para a reforma agrária, e há assentamentos dentro do futuro perímetro Nova Califórnia e ao longo do canal Xingó. Concluiu-se que os movimentos sócioterritoriais tiveram sucesso na desterritorialização da grande propriedade improdutiva e produtiva, atuando no sentido da redistribuição de riqueza, renda e poder no Alto Sertão Sergipano.
Abstract: 
The thesis entitled “Territories in conflict in Alto Sertão Sergipano” proposes a critical reflection as the study objective, of two distinct and conflictive social-territorial processes, based in land appropriation: on one hand, the territory expansion and monopolization by capital, hegemonic and linked to capital accumulation in a national and international scale, understood as an unequal and combined development; and, on the other hand, the resistance and landing recreation as the alternative expansion; analyzing the State’s contradictory role regarding the conflictive territoriality, which spatially demonstrates the conflicts between classes in the fields. Adopting Critical Geography as theoretical and methodological reference, the social space is understood as the place where production social relationships happen, which is a result of the production process of the space by capital confronting the social-territorial movements, with a relative approach of the creation of territory, which emphasizes the T-D-R geographical processes; regarding the social conflicts, as a geographical version of the agrarian matter. This study aimed to analyze the empirical processes that were historically developed in the production and transformation of the agrarian landscape in Sergipe’s most arid area. This thesis defends three main ideas: the first one is the land acquisition by social-territorial movements, mainly the MST (acronym for Landless Workers Movement) and the massive agrarian redistribution which highlights the experience of agrarian reform in this geographical space, a point of inflection in the territorial dispute, reverting the capital advance, it enabled the reconstitution of landless workers by establishing them in their place as peasants; the second one is the configuration of the reformed area and the alliances between the established agrarian workers and the traditional peasants, through their social movements, starting to demand, as a group, their acknowledgement as political subjects and economic agents who manage a comprehensive and significant agrarian territory; the third idea discussed is that this alternative territory questions and also interferes in the predominant space of the social and political supreme order. Results from the research show that 6,092 families organized by the MSTR, religious pastoral groups, MST, in addition to the Xocó indigenous group and the African Quilombola communities (Mocambo and Serra da Guia), between 1979 and 2014, conquered 104,612.28 hectare. The agrarian structure has been radically altered: from the figure of 12,728 properties and 390,716 hectare registered (INCRA, 2013), only 5 land properties of 1,000 hectare each (0.03% of the total area) have remained, which covered 6,392 hectare (1.6% of the total area). In 48 settlements 1,575 families keep fighting for the democratization of the land. In the dispute for water supplies control, the business watered perimeter Jacaré-Curitiba was converted into the agrarian reform and there are settlements in the future perimeter Nova Califórnia and the region of the Xingó Canal. In conclusion, the social-territorial movements were successful in expanding territories for most part of the non-productive and productive propertieshttps://cdncache-a.akamaihd.net/items/it/img/arrow-10x10.png, making it possible for land, wealth and income to be properly distributed.
La Thèse intitulée “Territoires en conflit au Haut Sertão Sergipano” vise une réflexion critique de deux processus socio-territoriaux distincts et conflictuels, fondés sur la possession de la terre: d’une part, la territorialité et le monopole du territoire par le capital, hégémonique, liée à l’accumulation du capital dans une échelle nationale et internationale, et qui est comprise comme un dévéloppement inégal et combiné ; et de l’autre part, la résistence et la récréation campagnarde comme alternative; tout en analysant le rôle contradictoire de l’Etat face à des territorialités conflictuelles qui traduisent l’espace de la lutte de classes sociales à la campagne. Par l’adoption de la Géographie Critique comme référentiel théorique et méthodologique, on comprend « l’espace social », comme “lócus des relations sociales de production », c’est-à-dire, comme résultat du processus de production de l’espace par le capital en conflit avec les mouvements socio-territoriaux, et ceci dans un abordage relationnel de la conception de territoire qui met en valeur les processus géographiques du T-D-R ; en tant que luttes sociales et représentation géographique du cas agraire.
L’objectif fut d’ analyser les processus empiriques qui se sont déroulés, historiquement, dans la production et transformation de l’espace agraire du « Haut Sertão Sergipano », région de l’Etat de Sergipe, marquée par le manque d’eau et par la sécheresse. Cette Thèse défend trois idées centrales: premièrement, la conquête de la terre par les mouvements socio-territoriaux, en particulier, par le MST- Mouvement de Sans-Terre, et la redistribution foncière massive qui a marqué l’expérience de la reforme agraire dans cet espace géographique, il en résulte un point d’inflexion à la dispute territoriale ce qui a ralenti le pouvoir du capital; et qui a pu favoriser la reprise du savoir-faire de ces travailleurs ruraux qui n’avaient pas de terre ; deuxièmement, la configuration de la superficie réformée par les mouvements sociaux. Des alliances ont été établies entre ceux qui ont gagné leurs terres et les autres, autrement dit, les paysans traditionnels, les deux parties exigeant ensemble, leur reconnaissance en tant que sujets politique et agents économiques gérant ainsi un grand et significatif territoire paysan ; troisièmement, ce territoire alternatif remet en question et intervient aussi dans l’espace hégémonique de l’ordre social et politique dominant. Les résultats de la présente recherche montrent que les 6.092 familles organisées par le MSTR - Mouvement Syndical des Travailleurs Ruraux, Pastorales sociales, MST, ainsi que par les indigènes Xocó et « Quilombolas » - Natifs des communautés organisées autrefois par les esclaves noirs « Mocambo » et « Serra da Guia » ont conquis 104.612,28 hectares entre 1979 et 2014. La structure foncière a complètement été modifiée. En effet, du montant de 12.728 immobiliers et 390.716 hectares inscrits (selon les sources de l’INCRA, 2013), Il ne reste que 05 Grande propriété foncière, mesurant plus de 1.000 hectares (0,03% du total), et qui correspondaient avant à 6.392 hectares (1,6% de la superficie total). Dans 48 campements,1.575 familles continuent leur lutte pour la démocratisation de la terre. Dans cette bataille pour le contôle de l’eau, le périmètre irrigué privé Jacaré-Curituba a été adressé à la reforme agraire et il y a des établissements des MST à périmètre Nova Califórnia et tout au long du canal Xingó. Nous pouvons en conclure que les mouvements socio-territoriaux ont réussi auprès du processus politique de redistribution de la terre des grandes propriétés improductives et productives, en assurant le partage de la richesse, des revenus et du pouvoir.
Palavras-chave: 
Geografia
Geografia agrícola
Sergipe
Movimentos sociais rurais
Reforma agrária
Espaço em economia
Capital (Economia)
Camponeses
Posse da terra
Territórios em conflito
Movimentos sócioterritoriais
Reforma agrária
Territórios alternativos
Campesinato
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST)
Movimento Sindical de Trabalhadores Rurais (MSTR)
Territories in conflict
Social-territorial movements
Agrarian reform
Alternative territories
Peasants
Agrarian workers class
Territoires en conflit
Mouvements sócio-territoriaux
Réforme agraire
Territoires alternatifs
Paysannat
Área(s) do CNPq: 
CIENCIAS HUMANAS::GEOGRAFIA
Idioma: 
por
País: 
Brasil
Instituição: 
Universidade Federal de Sergipe
Sigla da instituição: 
UFS
Departamento: 
Programa: 
Citação: 
TANEZINO, Theresa Cristina Zavaris. Territórios em conflito no alto sertão sergipano. 2015. 738 f. Tese (Pós-Graduação em Geografia) - Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, SE, 2014.
Tipo de acesso: 
Acesso Aberto
URI: 
Data de defesa: 
31-Mar-2014
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CONFLITOS E LUTA PELA TERRA EM POÇO REDONDO 1996-2000

CONFLITOS E LUTA PELA TERRA EM
POÇO REDONDO 1996-2000


Por Gidelmo Santos de Jesus
In.: Monografia do Curso de Licenciatura em História pela Universidade Federal da Paraíba UFPB – intitulada A luta pela Terra e a consolidação do MST em Poço Redondo/SE – 1996/2000. UFPB 2008

Sabemos que a luta de Barra da Onça foi organizada pela Igreja e pelos STRs, porém, ela é considerada um marco do surgimento do MST em Sergipe, como já relatado. Nesse contexto, o MST em Sergipe, a partir de 1985, passa a se organizar articulado com a CPT, da Diocese de Propriá e com os Sindicatos de Trabalhadores Rurais de diversos municípios.
Esse momento é de articulação a nível nacional, de partir para a ofensiva para descaracterizar o, então, lançado Plano de Reforma Agrária do governo José Sarney, pois se tratava de um plano para “abafar” os conflitos de terra, menos para resolver a questão da Reforma Agrária.
As divergências da Diocese com o MST fizeram com que as lideranças do sindicato de Glória assumissem a primeira direção do MST, “em um processo de afastamento das orientações da diocese (SOBRAL, 2006, p. 105). Pois os grupos de Glória e de Poço Redondo, em Barra da Onça, já haviam se afastado da liderança da Igreja. Assim, os irmãos João Sessenta e Madalena, ambos lideranças sindicais do grupo de Nossa Senhora da Glória, assumem a direção do MST no estado, fixando sua primeira secretaria estadual nesse município. Porém, criam-se divergências com Dionísio, que liderava o grupo de Poço Redondo e que havia, também, rompido com a Igreja.
Resumindo, o MST/SE passava a desenvolver sua luta a partir dos conflitos e divergências existentes internamente na Barra da Onça, daí em diante passando a desenvolver varias lutas pela posse da terra no estado. Sobre esse contexto, para entender a trajetória do Movimento Sem Terra no estado de Sergipe, tomemos como base a analise feita por Cintra (1999), em sua dissertação de mestrado, na qual descreve essa trajetória em quatro fases:
A primeira fase se dá de 1985 a 1988, corresponde à fase de criação do MST no estado. Considera-se que, nessa fase, o Movimento atuava de forma mais dependente dos outros movimentos sociais e organizações...
Nesse período são apontadas três grandes dificuldades enfrentadas pelo Movimento no Estado de Sergipe: a primeira era a falta de lideranças capacitadas; a segunda era exatamente a relação de dependência entre o MST, o Comitê de Apoio Permanente à Luta dos Trabalhadores Rurais e
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da Diocese de Propriá; e a terceira, a tentativa da Igreja em manter o MST como parte de sua estrutura...
Nessa primeira fase, as entidades que deram apoio ao MST em Sergipe foram: a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB); o Comitê de Apoio Permanente a Luta dos Trabalhadores Rurais; a Diocese de Propriá; da Central Única dos Trabalhadores (CUT); alem do apoio do deputado estadual do PT, Marcelo Deda.13
Como defensores dos interesses dos latifundiários em Sergipe, nesse período, personalidades como: o governador do estado João Alves Filho e, posteriormente, Antônio Carlos Valadares14, ambos do PFL; o líder do governo na assembléia legislativa, o deputado Djenal Queiroz (PDS), juntamente com a bancada governista, alem da Associação de Criadores de Sergipe (ACES)...
O que podemos identificar nessa primeira fase do MST em Sergipe é que a preocupação dos que faziam o Movimento estava centrada no acesso a terra.
Uma segunda fase do MST em Sergipe compreende os anos de 1988 e 1989 e poderia ser considerado uma fase de transição, como sinala OLIVEIRA ( 1996). É uma fase na qual o Movimento busca autonomia e independência em relação aos seus interlocutores, mediadores e organizações de apoio. Esse período é, também, marcado pela presença de dirigentes nacionais do MST e pela introdução de formação política dos seus quadros.
Nesse período, há a ampliação do numero de ocupações no estado sob a direção do Movimento... Vindo a se espraiar, nessa segunda fase, em direção ao centro sul do estado por iniciativa do MST...
A ocupação da Fazenda Cruiri marcou, assim, o rompimento definitivo do MST com a Diocese de Propriá... Nessa época circulavam em Sergipe lideranças do Movimento que hoje são destaque em nível nacional, como: José Rainha Júnior e sua mulher Deolinda, Jaime Amorim, Geraldinho, alem de João Somariva Daniel15... Alem disso, lideranças sergipana, que também se deslocaram de Sergipe para ajudar as lideranças de outros estados do Norte e Nordeste do Brasil, como foi o caso de Vera Villar e Gilton Silva, que, entre os anos de 1989 a 1992, estiveram na organização e mobilização dos sem-terra nos estados de Alagoas, Paraíba, Ceará e Pará...
Essa segunda fase do MST em Sergipe pode ser caracterizada pela busca de autonomia e pelo afastamento de agentes mediadores e de apoio. É uma fase na qual o Movimento busca caminhar com suas próprias pernas. É, também, um período em que a luta pela terra em Sergipe sai do espaço geográfico de atuação da diocese de Propriá para conquistar outros espaços do território sergipano.
A terceira fase do MST em Sergipe é uma fase de expansão desse Movimento no Estado, que começa em 1990 e vai ate 1994.
Porém, pelos estudos por nós realizados, essa fase não termina em 1994, como descreve a autora, mas sim em 1996, pois a expansão do MST em Sergipe só termina quando a mesma já esta organizada em todas as regiões do Estado. E é nesse ano (1996) que
13Atual governador do estado de Sergipe.
14Atual senador do estado pelo PSB e defensor da Reforma Agrária.
15Permanece até hoje contribuindo com o Movimento em Sergipe.
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o mesmo retoma a luta na região do sertão sergipano, passando a estabelecer nessa região sua organização massiva e qualitativa...
Essa fase é marcada por uma mudança de cunho político no interior do movimento, cujas características mais marcantes podem ser assim explicadas: maior centralismo de poder e a hierarquização entre os quadros de militantes, bem como pela conquista de autonomia em relação aos outros movimentos sociais e organizações.
A conjuntura política que se instala a partir de 1990 com a chegada a Presidência da Republica de Fernando Collor de Mello, latifundista e usineiro alagoano, representou um retrocesso na luta dos trabalhadores rurais... Em decorrência dessa difícil conjuntura, há um nítido refluxo do Movimento em Sergipe nesse período, devido às grandes perseguições desencadeadas contra os trabalhadores rurais sem terra e, sobretudo, as lideranças do Movimento.
...uma importante conquista para os Sem Terra sergipanos se deu com a fundação do Centro de Capacitação Canudos (CECAC), no P. A. Moacir Wanderley em 1993. O nome é uma homenagem aos 100 anos de Canudos... 16
Já a última fase trabalhada pela autora, a quarta, inicia-se ainda em fins de 1996 e inicio de 1997, e não em 1995, como ela descreve, e pelos estudos que realizamos, essa fase se desenvolve até o ano 2000. “Essa fase pode ser considerada como a fase de consolidação do MST no Estado de Sergipe. É um período de crescimento quantitativo como também qualitativo” (CINTRA, 1999, p. 72).
Como grande desenvolvimento de formação política desta quarta fase, o CECAC torna-se um centro de referência, não apenas para o estado, mas também para todo o Nordeste.
Uma quinta fase do MST em Sergipe é a que se dá desde o ano 2000 e se estende até os dias atuais, sendo um período de crescimento político através das forças e relações políticas que vêm se travando dentro do estado. Assim, desenvolvendo-se uma maior qualificação da militância atuante dentro dos setores e recebendo grande apoio da população sergipana, através das grandes mobilizações massivas, como é o caso do ato realizado todos os anos, no dia 25 de julho, em Aracaju, em comemoração ao dia do trabalhador rural, que tem se tornado tradição no conjunto do Movimento no estado. Com isso, o MST/SE vem transformando sua luta em uma grande força de conscientização política de sua base e da sociedade sergipana, sendo exemplo para a classe menos favorecida.
16Resumo de parte do capitulo 2 da dissertação de mestrado da autora.
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Foto 5: Mobilização do 25 de julho no centro de Aracaju
Fonte: Arquivo do MST/SE
Nas fases descritas anteriormente, em cada uma delas há derrotas. Porém, inúmeras conquistas as superam. Entre as derrotas, está a perseguição às lideranças, morte de companheiros, destruição dos acampamentos, etc. Entre as conquistas, há um grande número de assentamentos, que já chega hoje a mais de 150, com aproximadamente 130 mil hectares desapropriados onde estão assentadas mais de 7700 famílias, formação da militância, apoio da sociedade, criação de cooperativas, entre diversas outras conquistas, envolvendo centenas de trabalhadores que, com seu trabalho nos diversos assentamentos espalhados por todo o estado, vêm provando, na prática, a viabilidade da Reforma Agrária no campo sergipano.
Em todas essas fases, foram desenvolvidas grandes lutas e mobilizações a nível estadual e a participação massiva em mobilizações nacionais, de militantes sergipanos. Marchas, ocupações no INCRA, atos públicos, ocupações massiva de terra, entre diversas outras formas de mobilizações, as quais dão ao MST grandes vitórias, provando para a sociedade a viabilidade da luta e da organização. É nesse contexto e na formação da consciência que o MST contribuiu para a derrota das oligarquias sergipana17, criando grandes relações de forças políticas. Nessa transformação, o sertão sergipano, que concentra a maior massa do Movimento no estado, é um grande exemplo dessa transformação, pois,
17 Refiro-me aqui a participação do MST para a derrota do ex-governador do estado, João Alves Filho (PFL) que sempre perseguiu os trabalhadores.
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junto com outras forças políticas, conseguiu ter grandes avanços nas grandes transformações que vem se dando nessa região, que sempre foi curral eleitoral dessas oligarquias...
2.1 12 de março de 1996 – marco de uma nova história
É no contexto da fase de expansão do Movimento no estado, que o mesmo tem grande atuação no município de Poço Redondo, passando a desenvolver-se já na fase de consolidação, uma vez que a grande ocupação que transforma a realidade desse município, se dá no ultimo ano da expansão do Movimento em Sergipe. Essa atuação, então, se dá com a grande ocupação das instalações da Usina Hidroelétrica de Xingó, às margens do rio São Francisco, entre Sergipe e Alagoas, no dia 12 de março de 1996. Eram cerca de duas mil famílias que ocuparam o alojamento da CHESF (Companhia Hidrelétrica do São Francisco), representando a maior ocupação do Movimento Sem Terra, até então, no estado de Sergipe.
Foto 6: Assembléia na ocupação da CHESF em março de 1996
Fonte: Arquivo do MST/SE
Essa ocupação tinha seus objetivos e finalidades definidas, ou seja, reivindicava-se a desapropriação das Fazendas Cuiabá (com 2.023 hectares), e a Fazenda Bela Vista (com 1.200 h), ambas no município de Canindé do São Francisco. Porém, a principal reivindicação se dava pela desapropriação de 15 mil hectares no município de Poço Redondo, incluindo-se nelas mais de cinco mil hectares que transformariam o Projeto de
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Irrigação Jacaré Curituba, em projeto de assentamento de Reforma Agrária, que teriam sido planejados para a implantação de lotes empresariais.
Os trabalhadores envolvidos nessa ocupação eram oriundos de todos os municípios do sertão sergipano18, como também trabalhadores vindos de Alagoas, Pernambuco e Bahia.19 Em sua maioria, eram trabalhadores rurais que trabalhavam no alugado para grandes e pequenos latifundiários da região, mas também trabalhadores urbanos, que haviam sido expulsos do campo com o avanço do agronegócio, além daqueles que haviam ficado desempregados com o fim das obras da hidroelétrica de Xingó.
2.2 Ocupações e conflitos
A ocupação da CHESF, em março de 1996, como já relatada, tinha objetivo e finalidades já definidas. Por isso é que ela é o marco inicial da retomada da luta pela terra, da fixação e da consolidação do Movimento Sem Terra em Poço Redondo. A partir de então, é que surgem, no referido município, diversas ocupações e conflitos de terras, como também uma grande organização do Movimento, que passa a ter referências no município e para toda a região sertaneja, inclusive sendo instalada a Secretaria Regional no Assentamento Pioneira.
Foto 7 – ocupação da Fazenda Cuiabá
Fonte: Sebastião Salgado (Arquivo do MST/SE)
18Fazem parte do sertão sergipano os municípios de Canindé do São Francisco, Gararu, Monte Alegre de Sergipe, Nossa Senhora da Glória, Poço Redondo, Porto da Folha, Feira Nova, Nossa Senhora Aparecida, Gracco Cardoso e Itabí. Sendo que na divisão orgânica do Movimento no estado só fazem parte dessa região os sete primeiros; os demais municípios estão incluídos na regional agreste.
19Os trabalhadores desses estados vieram para Sergipe para trabalharem na obra da hidroelétrica de Xingó. Como a construção havia concluído, esses trabalhadores ficaram desempregados, morando nos municípios de Canindé e Poço Redondo.
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Os trabalhadores permaneceram acampados no alojamento da CHESF durante um mês. Em seguida, ocuparam, no dia 12 de abril, a Fazenda Cuiabá no município de Canindé de São Francisco, e, somente no mês de setembro do mesmo ano, é que a luta passa a se estabelecer em Poço Redondo, com as ocupações de terras e diversas formas de lutas.
2.2.1 Ocupação da Fazenda Alto Bonito
No dia 18 de setembro do mesmo ano (1996), cerca de 1600 famílias, oriundas da ocupação da CHESF, deixaram a Fazenda Cuiabá e ocuparam a Fazenda Alto Bonito, na divisa entre os dois municípios – Canindé e Poço. Esse latifúndio fazia parte do território reivindicado para a implantação do Projeto de Assentamento Jacaré Curitiba.
Nesse acampamento, os trabalhadores sofreram perseguição por parte da Polícia e dos capangas do latifundiário, inclusive dois despejos. Embora calmo, o latifundiário expulsou da terra em que estavam acampados, os trabalhadores, deixando-os em situação de risco à margem da rodovia. Alem disso, os trabalhadores sempre entraram em conflito também com funcionários do INCRA, que iam ao acampamento, pois chegou um momento em que os trabalhadores não acreditavam mais no que os mesmos falavam. No entanto, a pressão estabelecida no acampamento não intimidou os trabalhadores, que, organizadamente, em grupos de 20 famílias, passaram a explorar o latifúndio para o sustento das respectivas famílias. Inclusive, como formas de pressão, demarcaram os lotes por grupos de produção para cultivarem suas roças. Alem de cultivarem nas terras do latifúndio, os trabalhadores também vendiam sua força de trabalho nos lotes irrigados do Projeto Califórnia, que estava vizinho do acampamento e, que, naquele momento, foi fundamental para o sustento das famílias, que moravam naquela grande “cidade negra”20 às margens da rodovia.
De inicio, a principal luta desses trabalhadores era pela transformação do projeto Jacaré Curituba, que havia sido planejado para a implantação de lotes empresariais, em lotes para pequenos assentados, ou seja, transformar o projeto que era para os ricos empresários, em um projeto para os pobres trabalhadores. Para isso, realizou-se uma marcha de Canindé a Aracaju, com duração de 12 dias, enquanto uma comissão formada por lideranças do Movimento, representante do INCRA/SE, governo do estado e prefeitos da região, ia a Brasília, em uma audiência com o Presidente da República. Nessa audiência, o governo cedeu à reivindicação dos trabalhadores, com a condição de que os assentados assumissem
20 Refiro-me ao acampamento constituído em uma imensa vastidão de barracos de lona preta.
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os lotes empresariais, com a responsabilidade em trabalhá-los coletivamente para a fruticultura irrigada. E também, dando uma trégua nas ocupações de terra no estado.
O acampamento foi muito movimentado e teve uma intensa luta até a conquista, em 19 de dezembro de 1997, com imissão de posse para assentar 760 famílias. Essa movimentação se deu por conta dos acampados terem a oportunidade de opinarem pelo tipo de produção que pretendiam, ou seja, pela produção irrigada ou seca. Assim, é que, aqueles que não queriam a irrigação, tiveram que deixar o acampamento – planejado para a implantação de um projeto irrigado – e ocuparem novas áreas. Uma parte desses acampados deixou o acampamento e ocupou, além de áreas em Glória e Monte Alegre, as fazendas Pioneira, Queimada Grande e Lagoa das Areias, ambas no município de Poço Redondo, como se verá adiante.
Foto 8: Ocupação da Fazenda Alto Bonito na manhã do dia 18/09/1996
Fonte: Arquivo do MST/SE
2.2.2 Ocupação da Fazenda Pioneira
A fazenda já havia sido oferecida à venda ao INCRA, para a implantação de assentamento de Reforma Agrária. Assim, dos trabalhadores que optaram pelos lotes sequeiros no acampamento Alto Bonito, 21 deles se inscreveram para ocuparem este imóvel, que se deu no dia 24 de dezembro de 1996.
Os acampados montaram os barracos no curral da fazenda, às margens da rodovia. Foi um acampamento pacífico, na medida do possível. Os acampados se organizaram em dois grupos de manutenção do acampamento, de forma que o mesmo fosse habitado sempre por famílias. Quer dizer, os grupos se revezavam dentro do acampamento, onde um grupo permanecia por uma semana enquanto o outro ficava livre do mesmo, podendo os trabalhadores saírem do acampamento em busca do sustento de suas famílias.
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Assim permaneceram durante quase um ano, até ser liberada a terra, com a chegada da imissão de posse, em 09 de dezembro de 1997, assentando-se 17 famílias em, aproximadamente, 500 hectares de terras da antiga fazenda. É nesse assentamento – na estrutura da sede – que o MST instala sua primeira Secretaria Regional do sertão, tendo um controle da luta em toda a região.
2.2.3 Ocupação da Fazenda Queimada Grande
Dos trabalhadores que deixaram o acampamento Alto Bonito, no dia 24 de dezembro de 1996, 145 famílias ocuparam a fazenda Queimada Grande às margens da rodovia e no lado oposto da sede do município.
O acampamento se organizou em grupos de 20 e 25 famílias. Foi um dos acampamentos do período que mais sofreu perseguição e conflitos. Logo no inicio, no dia 23 de fevereiro de 1997, o latifundiário e seus pistoleiros passaram tratores sobre os barracos e atearam fogo em todos os pertences dos acampados. Representantes da direção do Movimento, juntamente com os acampados, conseguiram apoio da Associação Mãos Unidas, do Assentamento Barra da Onça, para que os acampados permanecessem em uma área da Associação até a fazenda ser liberada...
Depois de sete meses, saiu o decreto de desapropriação da fazenda, no dia 24 de setembro de 1997. Até então, os trabalhadores permaneceram na Associação. Reocupando o latifúndio, o fazendeiro conseguiu uma liminar de despejo junto à Comarca de Poço Redondo. O oficial de justiça, a mando da juíza dessa comarca, foi ao acampamento acompanhado de duas viaturas cheias de policiais e deu 24 horas para os acampados deixarem a área. Como era um período de Semana Santa, uma comissão de trabalhadores, juntamente com a direção do Movimento e da paróquia de Poço, conseguiram negociar com a juíza que revogou a liminar, adiando-a para mais sete dias. Durante esses dias, os acampados juntamente com a Igreja, o Sindicato e a direção do MST decidiram ocupar o Colégio Agrícola de Poço Redondo.
Os acampados permaneceram acomodados nessa ocupação do Colégio Agrícola até o dia 02 de junho de 1998, quando receberam imissão de posse. Porém, no dia 09 do mesmo mês, a juíza convocou representantes do acampamento para uma reunião no Fórum de Poço Redondo. Nesta reunião, estiveram presentes representantes do INCRA, do MST, dos acampados, o latifundiário e sua esposa (vereadora naquele período). O objetivo da reunião era pedir um prazo para que o latifundiário retirasse os animais da fazenda, no entanto, foi marcada uma nova reunião no dia 09 de julho, à qual o fazendeiro não compareceu, com a
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desculpa de que havia conseguido do ministério seis meses para permanecer na fazenda. Assim, os acampados reocuparam e tomaram posse da fazenda no dia 20 de julho, porém, passaram a conviver com o fazendeiro, que permaneceu na fazenda, entrando sempre em conflito com os trabalhadores que haviam conquistado a terra.
2.2.4 Ocupação da Fazenda Lagoa das Areias
Os trabalhadores que ocuparam a Fazenda Lagoa das Areias, em 04 de março de 1997, em sua maioria, eram oriundos da ocupação da CHESF, porém, uma boa parte desses trabalhadores tinha se envolvido com a luta já na ocupação da Fazenda Alto Bonito, a qual se tornou uma grande referência, pelo contingente de trabalhadores participantes e pelos que aderiram a essa luta.
Essa ocupação foi a que mais sofreu despejos, no período estudado. Pois, nos dois anos de acampamento, sofreram oito despejos, onde se fez presente a polícia de choque, evidenciando a violência contra os trabalhadores que lutam em busca de sua sobrevivência e permanência na terra.
Os trabalhadores, que eram cerca de 160 famílias, se organizaram em oito grupos de 20 e 25 famílias. A maioria dessas famílias morava permanentemente no acampamento, sendo que algumas cumpriam apenas as normas do acampamento e iam para suas casas, na cidade ou nos povoados do município.
As famílias que moravam no acampamento, sobreviviam da cesta básica que o INCRA distribuía mensalmente e trabalhavam em propriedades vizinhas do acampamento. Essa era uma tarefa especifica dos homens, enquanto as mulheres permaneciam no acampamento e assumiam as tarefas do mesmo.
Após a vistoria do INCRA, os acampados receberam imissão de posse em 29 de dezembro de 1999, assentando 160 famílias, que se organizaram em nove grupos de 20 a 25 famílias em cada um deles.
As ocupações conflitantes pela posse da terra, aqui relatadas, foram as que se originaram a partir da grande ocupação da CHESF, tendo sido fundamentais para o desenvolvimento de novas ocupações que se desdobraram em novas lutas e conflitos.
2.2.5 Outras ocupações do período
Após as lutas desencadeadas, da ocupação da CHESF e do Alto Bonito, já citadas nos itens anteriores, outras ocupações se deram no âmbito da organização interna do Movimento Sem Terra em Poço Redondo. Quer dizer, as ocupações citadas anteriormente
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fizeram parte de uma luta que se deu não só em Poço, mas em toda a região do sertão a partir da articulação daqueles 12 de março de 1996. Desde então, outras ocupações se deram em uma conjuntura de um Movimento organizado em uma articulação sólida no município.
Em 1997, ainda foram ocupadas a Fazenda Nova Mulungu, que foi desapropriada em 25 de novembro, assentando 10 famílias, e a fazenda Monte Santo, que tem parte de suas terras no município de Canindé do São Francisco e que assentou 25 famílias em 18 de abril de 2002.
No ano seguinte – 1998 –, foram ocupadas a Fazenda São José de Nazaré, por 26 famílias que foram assentadas em oito de outubro do ano seguinte; a Fazenda Santo Antônio, que se transformou, em 18 de abril de 2002, no assentamento Monte Santo II, assentando 25 famílias; e a Fazenda Novo Paraíso, que assentou 40 famílias em 16 de outubro de 2002.
Enquanto algumas fazendas eram desapropriadas, outras eram reivindicadas e ocupadas. Assim, em 1999, foi ocupada a fazenda Maralinas/Emendadas, que se transformou no assentamento Maria Bonita I, assentando-se 39 famílias em 16 de outubro de 2002; e a Fazenda Cajueiro, ocupada em 05 de janeiro por 112 famílias, sendo uma ocupação conflitante, com dois despejos, porém, em 10 de dezembro desse mesmo ano, foram assentadas as 112 famílias.
O núcleo regional do MST em Poço Redondo chega a 2000 como o maior do estado, contando com um grande número de famílias envolvidas e um quadro de militantes que exercia grande atuação na base do Movimento, nesse município.
2. 3 - Marchas e mobilizações
O período que vai de 1996, com a ocupação da CHESF, até o ano 2000, foi marcado por intensas mobilizações, entre elas, grandes marchas e atos de reivindicação em busca das conquistas. É nesse contexto que a luta do MST em Poço Redondo passa a ganhar forças organizativas, pois, em todas as mobilizações, sejam elas a nível regional, estadual e até nacional, os trabalhadores de Poço Redondo, sejam eles acampados ou assentados, têm grande participação.
Uma dessas mobilizações com participação massiva desses trabalhadores, principalmente daqueles que viriam a ocupar as instalações da CHESF, se deu com a ocupação da sede do INCRA/SE, no dia 13 de fevereiro de 1996. Os mesmos reivindicavam, principalmente, a agilidade no processo de desapropriação da Fazenda Cuiabá, em Canindé
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do São Francisco. No entanto, participaram trabalhadores oriundos de vários municípios do sertão, inclusive de Poço Redondo, pois os mesmos estavam escritos (cadastrados pelo sindicato) para a ocupação que veio a se dar no dia 12 de março.
Uma nova ocupação no INCRA se deu no período de 23 a 29 de julho do mesmo ano. Os trabalhadores reivindicavam o assentamento das 2800 famílias acampadas no estado, entre elas, aproximadamente 2 mil no sertão, sendo que mais da metade desse número em Poço Redondo.
Outra manifestação de destaque, nesse ano, foi a interdição, por sete horas, da rodovia SE206, que liga Canindé a Paulo Afonso/BA, no dia 11 de setembro, pelos trabalhadores acampados na Fazenda Cuiabá. Nessa manifestação, os trabalhadores reivindicavam as cestas básicas do INCRA, que estavam atrasadas.
Nessa manifestação, foram presos, por ordem da juíza, Carmem Maria Rosa de Araújo – que havia sido barrada pelos Sem Terra – o candidato a prefeito pela coligação PMDB/PT/PSB, José Antônio Soares e o proprietário do carro de som usado na manifestação, José Romilson Bonifácio. As prisões provocaram um grande tumulto em frente a delegacia. Os Sem Terra ameaçavam “invadir” o quartel da PM, mas foram contidos pelos lideres do Movimento. (CINTRA, p. 83, 1999)
Os acampados da Fazenda Alto Bonito, entre Poço Redondo e Canindé, reivindicando a desapropriação das terras para implantação do P. A. Jacaré Curituba – que estava ameaçado de ser entregue à iniciativa privada – interditaram, por oito horas, a rodovia que liga os dois municípios, em 03 de fevereiro de 1997.
Foto 9; Marcha do P. A. Jacaré Curituba a Canindé em comemoração ao dia do trabalhador rural – 25/07/1998
Fonte: Arquivo do MST/SE
No decorrer dos anos seguintes, as marchas se fizeram presentes nas lutas do MST em Poço Redondo. Fossem elas de caráter reivindicatório ou comemorativo, ou seja, varias
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marchas se deram dos acampamentos e dos assentamentos para as sedes dos municípios de Poço Redondo e Canindé, em comemoração à luta dos trabalhadores no sertão, como é o caso da marcha realizada no dia 12 de março. Foram, também, marchas que visavam à reivindicação dos meios para a realização da Reforma Agrária.
O destaque das grandes marchas se deram com a marcha nacional de 1998, que, em Sergipe, aconteceu de 24 de agosto a 07 de setembro. Saindo de Canindé a Aracaju, os trabalhadores, em sua maioria de Poço Redondo, percorreu aproximadamente 200 km com as mais diversas reivindicações. Juntando-se aos trabalhadores das demais regiões, os trabalhadores participaram do grito dos excluído, juntamente aos demais movimentos, no dia 07 de setembro.21
Saída da marcha de Canindé
Chegada à Aracaju
Fotos 10: Marcha de Canindé a Aracaju
Fonte: arquivo do MST/SE
Além das marchas, fossem pequenas ou grandes, essas mobilizações se deram, também, em outros âmbitos, em Poço Redondo, por reivindicações diversas dos trabalhadores acampados e assentados: ocupações nas agencias de bancos, principalmente do Brasil e Nordeste; interdição de rodovias, especificamente a SE 206, nos assentamentos Queimada Grande e Jacaré Curituba, com diversas reivindicações, principalmente dos créditos e em busca da realização da Reforma Agrária; como também saques na rodovia, protestando contra a fome nos assentamentos e acampamentos do município, reivindicando dos governantes medidas adequadas de superação do sofrimento das famílias assentadas e, principalmente, acampadas.
21 Relato pessoal, pois tive a oportunidade de participar da marcha e do ato na capital.
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As ocupações, marchas, interdição de rodovias, saques e outras formas de mobilizar e reivindicar foram intensos e fundamentais, nesse período, para a garantia de razoáveis condições de vida nos assentamentos e acampamentos, assegurando um avanço fundamental para a luta do MST no município.

Barra da Onça, Semente da Luta Pela Terra em Poço Redondo

Barra da Onça, Semente da Luta Pela Terra em Poço Redondo
Por Gidelmo Santos de Jesus
In.: Monografia do Curso de Licenciatura em História pela Universidade Federal da Paraíba UFPB – intitulada A luta pela Terra e a consolidação do MST em Poço Redondo/SE – 1996/2000. UFPB 2008

As lutas messiânicas4 e as lutas organizadas dos camponeses5 foram massacradas pela Republica Velha e pela ditadura militar, respectivamente. “O ultimo possibilitou a expansão do capitalismo no Brasil, com a imposição das políticas econômicas pelo avanço da introdução da modernização da agricultura”. (SOBRAL, 2006, p. 59). A autora acrescenta ainda: “Em Sergipe, o processo foi similar, se dando com maior intensidade nas atividades canavieira e a citricultura”.
É nesse contexto que surgem, no Brasil, diversos conflitos na luta pela posse da terra. A Igreja, que sofria repressão do governo militar, passa, com a Teologia da Libertação, a assumir o papel de denunciadora das injustiças sociais. Também inspirada pela Teologia daCaracteriza-se por uma população, em sua maioria de agricultores que passam o dia no meio rural trabalhando com o cultivo da terra e do cuidado com os animais.Canudos na Bahia (1893-1897); Contestado no Paraná e Santa Catarina (1912-1916). Ligas Camponesas (década de 50 e 60 no NE), ULTAB (1954) e MASTER (1950).
Libertação, surgem as CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) como forma de organizar os trabalhadores rurais e urbanos na luta contra as injustiças e por seus direitos, que, em meados da década de 1970, já existiam em todo o Brasil.
Em 1975, é criada, em Goiânia, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a partir das comunidades das CEBs, em meio a inúmeros conflitos e devastação de povos indígenas na região amazônica. Com a eclosão de conflitos pela terra em todo o país, a CPT passa a atuar, a nível nacional, em um organismo pastoral autônomo. “A CPT foi importante instrumento de desmascaramento das políticas e projetos militares, e permanece sendo espaço central na organização e projeção das lutas pela conquista da terra”. (MORISSAWA, 2001, p.105).
Com a expansão da CPT e sua organização por meio de 18 regionais, em Sergipe é criada a equipe da Pastoral da Terra na Diocese de Propriá, em meio a um conflito no vale do São Francisco, a que tem sido atingido profundamente pelo avanço da modernização, desorganizando-se a produção do arroz, que era cultivado nas várzeas do Rio São Francisco, com a implantação de usinas açucareiras alagoanas. Com isso, expulsando os pequenos agricultores de suas terras, os quais se tornaram trabalhadores permanentes ou temporários, que vendiam sua força de trabalho aos usineiros, como também expulsando o homem do campo para a cidade. Enfim, a Igreja progressista é representada por sacerdotes ligados à Diocese de Propriá, que passam a desenvolver grande atuação nos conflitos de terra na região.
Vários conflitos de terra se dão nos anos de 1970 e 1980 em Sergipe, apoiados e animados pela Comissão Pastoral da Terra de Propriá. No geral, os de maior destaque foram os casos dos índios Xocó na ilha de São Pedro, em Porto da Folha, em setembro de 1978; o de Santana dos Frades, em Pacatuba, em 1974; e o conflito de Barra da Onça, em Poço Redondo, em 1985.
No contexto do surgimento da CPT como apoiadora dos conflitos de terra, e com o fim do regime militar no Brasil, a luta pela terra se intensifica em Sergipe. Em Poço Redondo, o conflito se dá na Fazenda Barra da Onça, que se incluía na lista dos maiores latifúndios do estado, com aproximadamente 6.278 hectares. A ocupação, se deu em 23 de setembro de 1985, após diversas reuniões no Sindicato Rural de Poço Redondo. A ocupação - na data acima citada - se deu por 17 trabalhadores do município. Porém, os sindicatos de Nossa Senhora da Glória e de Porto da Folha já vinham fazendo articulações de trabalhadores, por isso ocupam, em seguida, uma parte do latifúndio. Esse ato teve um
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caráter diferenciado dos demais que vinham se dando no estado, isso por ser um conflito que já havia sido planejado e por repercutir na imprensa do estado e do Nordeste.
Após a primeira ocupação, os trabalhadores de Poço Redondo, sofreram despejos dois dias depois – a 25 de setembro – com violentas e humilhantes ações policiais, comandadas pelo então juiz de direito da Comarca de Porto da Folha, Francisco de Melo Novais, e do delegado de Nossa Senhora da Glória, tenente Welington Costa. Gerou-se um clima tenso e de insegurança. Após dez dias da expulsão da fazenda, em cinco de outubro, policiais militares fortemente armados, comandados pelo então delegado Welington Costa, destruíram o acampamento, lideranças foram presas e espancaram os trabalhadores que foram tangidos do acampamento, mas eles resistiram, como descreve Sobral:
No dia 5 de outubro, a policia não satisfeita, destruiu o acampamento na beira da estrada. Os ocupantes então mudaram a estratégia, chamada por Raimundo de assentamento popular: de dia, eles ocupavam as terras e, de noite, eles voltavam para Poço Redondo para dormir. E este grupo inicial começou a crescer rapidamente, mesmo diante das pressões. O grupo marcava as assembléias na caatinga e discutia as formas de encaminhamento dos problemas. Nessas reuniões apareceu um grupo de apoiadores de Nossa Senhora da Gloria, de mais ou menos dez pessoas, dentre eles João Santana, Mikchael Dessy e Madalena Santana. (2006, p. 108).
Umbuzeiro
Ruínas da casa velha
Fotos 2 – Marcos do grupo6 de Poço Redondo na luta de Barra da Onça (umbuzeiro onde se reuniam e ruínas da casa velha, sede da fazenda)
Fonte: Foto do autor
6 Representação usada como o símbolo que, até hoje, representa e identifica o grupo.
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O grupo de Glória que inicialmente apenas apoiara a luta dos acampados de Poço Redondo, percebendo que a terra era extensa para os trabalhadores que ali estavam, se propôs a ocupar uma parte do latifúndio. Assim, as lideranças sindicais de Glória, que já haviam organizado trabalhadores para conquistarem um pedaço de terra, ocuparam uma parte da propriedade, em um espaço de terra afastado do grupo de Poço. Eram aproximadamente, 40 pessoas, lideradas pelo presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais daquele município, João Santana, mais popularmente conhecido por João Sessenta. O “grupo de Glória”, como ficou conhecido, não acampou nas terras por eles próprios ocupadas, preferiram continuar em Nª Senhora da Glória, vindo à fazenda alguns dias por semana para prepararem a roça.
Foto 3: Marco do grupo de Glória na luta de Barra da Onça
Foto 4: Marco do grupo de Porto da Folha na luta de Barra da Onça
Fonte: Foto do autor
Outro grupo que também ocupou uma área desse latifúndio, em 25 de novembro do mesmo ano, foi o de Porto da Folha, liderado por Frei Enoque.7 Eram cerca de 60
7 Enoque Salvador de Melo, pároco do período, na paróquia daquele município.
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trabalhadores que ocuparam um lado oposto ao do grupo de Poço Redondo e tiveram ajuda de um pequeno proprietário da região, que cedeu um pedaço de suas terras para os sem terra erguerem o acampamento, já que os mesmos foram despejados antes mesmo de armarem os barracos. Em entrevista à professora Neide Sobral, Maria Cienes de Góis relata a ajuda:
Uma pessoa que foi muito forte, teve um papel de muita importância na nossa luta, foi (...). Ronaldo. Ele era um pequeno proprietário de terra. Ele dizia para nós que ele acreditava nisso. Ele acreditava na reforma agrária e que ele queria que todo mundo tivesse um pedaço de terra que nem ele.8
Além dos grupos de trabalhadores acampados em Barra da Onça, a partir da organização dos sindicatos de Poço Redondo, de Nª Senhora da Glória e Porto da Folha, vieram também trabalhadores dos povoados Sítios Novos e Lagoa Redonda e do município de Monte Alegre de Sergipe.
Os conflitos não cessaram. Uma nova operação policial se deu em 27 de novembro, contra o ultimo grupo, que nem teve tempo de erguer o acampamento dentro da fazenda, por isso ficou na terra de Ronaldo, como dito antes. O mesmo tenente Welington Costa comandou a nova operação e usou da mesma truculência para despejar o grupo de Porto da Folha, que passou por humilhações desagradáveis, “sendo obrigado a subirem em uma caçamba requisitada pela policia, e serem jogados no meio da rua do povoado Lagoa Redonda” (Michel Dessy9 - Guido Branco – em entrevista cedida ao autor, em 18/12/2007). Para eles, isso foi pior que não verem a realização do sonho de terem um pedaço de terra.
Após esses conflitos, comissões de trabalhadores acampados fizeram audiência no INCRA, na Secretaria de Agricultura e em outros órgãos governamentais, em busca de soluções para tais conflitos e a desapropriação da área. Não obtendo sucesso, os trabalhadores realizaram algumas mobilizações e atos públicos, no município de Poço Redondo e na capital. Entre eles se destacam: o acampamento em frente ao palácio do Governo, na Praça Fausto Cardoso, em março de 1986, denunciando que os acampados estavam passando fome e em condições subumanas. Outra mobilização de destaque foi a ocupação do INCRA, de 14 a 30 de maio de 1986.
8(Entrevista cedida à autora em 15/10/1997, em Poço Redondo), cf.; SOBRAL, 2006.
9 Michel Dessy é assentado no Projeto de Assentamento Barra da Onça e foi um importante líder na luta por esse assentamento, atualmente é um dos responsáveis pelo desenvolvimento da organização do Laticínio União, no próprio assentamento.
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Em uma dessas mobilizações, o então governador do estado, João Alves Filho, recebeu os acampados:
O governador João Alves Filho, que ate então recusava a receber uma comissão formada pelos ocupantes e suas lideranças, inclusive militantes do comitê, recuou e recebeu a comissão. Nessa reunião, ficou acertada a ida do governador, acompanhado de uma comissão de ocupantes, de um representante da igreja e de um delegado do INCRA a Brasília, para tentar junto ao Ministério da Reforma Agrária a desapropriação do imóvel. (SILVA e LOPES, 1996, p. 36).
Essa viagem se deu em 15 de março de 1986. Após a audiência, a comissão saiu com a promessa de que a fazenda Barra da Onça seria desapropriada em breve. Como forma de pressão, os acampados voltaram a ocupar o INCRA, no dia 15 de maio do mesmo ano. Eram mais de 100 trabalhadores na ocupação, no intuito de obterem uma resposta do dirigente do INCRA, Manoel Hora, na agilidade da desapropriação do latifúndio. Esses mesmos trabalhadores realizaram, no dia 17, uma passeata até a Assembléia Legislativa, em busca de apoio dos deputados, pois os acontecimentos de Barra da Onça haviam repercutido naquela Casa Legislativa. Assim os deputados Marcelo Deda, Marcelo Ribeiro, ambos do PT, e Neilson Araújo, do PMDB, passaram a apoiar a ocupação, como grandes aliados dos Sem Terra naquela Casa.
Enfim, a conquista de Barra da Onça: foi desapropriada no dia 27 de junho de 1986, pelo Decreto 92.840, tendo imissão de posse em 19 de agosto do mesmo ano. Foram assentadas 213 famílias das 300 que estavam acampadas no imóvel. O assentamento preservou o nome do imóvel, Barra da Onça... O mesmo fica a 2 km da sede do município. É um dos maiores imóveis desapropriados em Sergipe para fins de Reforma Agrária, no período de 1985 a 1989.
O assentamento passou a se organizar em associações de acordo com os grupos formados desde a ocupação, desenvolvendo a organização do trabalho coletivo, principalmente o grupo de Poço Redondo, que já desenvolviam essa pratica desde a ocupação em 1985.
Os excedentes de Barra da Onça ocuparam, em 26 de dezembro de 1986, a Fazenda Pedras Grandes, no mesmo município, que era do mesmo dono e que estava abandonada. Juntaram-se a eles trabalhadores de Monte Alegre e do povoado Sítios Novos. O acampamento, assim como Barra da Onça também
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sofreu perseguição da Policia Militar e dos fazendeiros, sob comando do então governador do estado, como relata um assentado entrevistado:
Quando fizeram os barracos ali do lado de cima, foi quando a policia veio, prendeu gente, escurraram outros, queimaram barracos, queimou galinha, panela, feijão, o que tinha dentro, derrubaram tudo e queimaram com tudo. ...
Na época o prefeito era seu Duvá, veio com a policia mandada do governo. O governador também era seu João Alves Filho.10 Ai veio, derrubaram os barracos, queimaram os barracos. Eles (os acampados) se afastaram, uns correram, dessa desocupação teve gente que não voltou mais, mas os outros que acreditaram voltaram e se acamparam debaixo do pé de umbuzeiro e ficaram lá. Mais dos dias chegava o carro de policia... Via carro, todo mundo ficava com medo, mais dos dias a policia chegava... Por sinal alguns companheiros foram presos...11
Porem, os trabalhadores continuaram resistindo e se organizando dentro do acampamento, o que se dava de forma coletiva. Exploravam o latifúndio com roças coletivas, onde todos trabalhavam em conjunto, “até a comida era feita para todos em uma mesma panela”, segundo uma assentada entrevistada (Cicera da Silva, entrevista em 19/12/2007). Nessa organização, tiveram grande apoio de Frei Enoque, o qual fazia arrecadações de alimentos, acompanhava e dava grande apoio orgânico aos acampados. Inclusive, os assentados atuais têm uma grande admiração por esse líder político e religioso.
Enfim, após resistirem a perseguições, prisões e torturas, a conquista do imóvel pelos acampados se deu com a desapropriação, em 15 de abril de 1988, com imissão de posse em 28 de julho do mesmo ano.