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sexta-feira, 30 de junho de 2017

Barra da Onça, Semente da Luta Pela Terra em Poço Redondo

Barra da Onça, Semente da Luta Pela Terra em Poço Redondo
Por Gidelmo Santos de Jesus
In.: Monografia do Curso de Licenciatura em História pela Universidade Federal da Paraíba UFPB – intitulada A luta pela Terra e a consolidação do MST em Poço Redondo/SE – 1996/2000. UFPB 2008

As lutas messiânicas4 e as lutas organizadas dos camponeses5 foram massacradas pela Republica Velha e pela ditadura militar, respectivamente. “O ultimo possibilitou a expansão do capitalismo no Brasil, com a imposição das políticas econômicas pelo avanço da introdução da modernização da agricultura”. (SOBRAL, 2006, p. 59). A autora acrescenta ainda: “Em Sergipe, o processo foi similar, se dando com maior intensidade nas atividades canavieira e a citricultura”.
É nesse contexto que surgem, no Brasil, diversos conflitos na luta pela posse da terra. A Igreja, que sofria repressão do governo militar, passa, com a Teologia da Libertação, a assumir o papel de denunciadora das injustiças sociais. Também inspirada pela Teologia daCaracteriza-se por uma população, em sua maioria de agricultores que passam o dia no meio rural trabalhando com o cultivo da terra e do cuidado com os animais.Canudos na Bahia (1893-1897); Contestado no Paraná e Santa Catarina (1912-1916). Ligas Camponesas (década de 50 e 60 no NE), ULTAB (1954) e MASTER (1950).
Libertação, surgem as CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) como forma de organizar os trabalhadores rurais e urbanos na luta contra as injustiças e por seus direitos, que, em meados da década de 1970, já existiam em todo o Brasil.
Em 1975, é criada, em Goiânia, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a partir das comunidades das CEBs, em meio a inúmeros conflitos e devastação de povos indígenas na região amazônica. Com a eclosão de conflitos pela terra em todo o país, a CPT passa a atuar, a nível nacional, em um organismo pastoral autônomo. “A CPT foi importante instrumento de desmascaramento das políticas e projetos militares, e permanece sendo espaço central na organização e projeção das lutas pela conquista da terra”. (MORISSAWA, 2001, p.105).
Com a expansão da CPT e sua organização por meio de 18 regionais, em Sergipe é criada a equipe da Pastoral da Terra na Diocese de Propriá, em meio a um conflito no vale do São Francisco, a que tem sido atingido profundamente pelo avanço da modernização, desorganizando-se a produção do arroz, que era cultivado nas várzeas do Rio São Francisco, com a implantação de usinas açucareiras alagoanas. Com isso, expulsando os pequenos agricultores de suas terras, os quais se tornaram trabalhadores permanentes ou temporários, que vendiam sua força de trabalho aos usineiros, como também expulsando o homem do campo para a cidade. Enfim, a Igreja progressista é representada por sacerdotes ligados à Diocese de Propriá, que passam a desenvolver grande atuação nos conflitos de terra na região.
Vários conflitos de terra se dão nos anos de 1970 e 1980 em Sergipe, apoiados e animados pela Comissão Pastoral da Terra de Propriá. No geral, os de maior destaque foram os casos dos índios Xocó na ilha de São Pedro, em Porto da Folha, em setembro de 1978; o de Santana dos Frades, em Pacatuba, em 1974; e o conflito de Barra da Onça, em Poço Redondo, em 1985.
No contexto do surgimento da CPT como apoiadora dos conflitos de terra, e com o fim do regime militar no Brasil, a luta pela terra se intensifica em Sergipe. Em Poço Redondo, o conflito se dá na Fazenda Barra da Onça, que se incluía na lista dos maiores latifúndios do estado, com aproximadamente 6.278 hectares. A ocupação, se deu em 23 de setembro de 1985, após diversas reuniões no Sindicato Rural de Poço Redondo. A ocupação - na data acima citada - se deu por 17 trabalhadores do município. Porém, os sindicatos de Nossa Senhora da Glória e de Porto da Folha já vinham fazendo articulações de trabalhadores, por isso ocupam, em seguida, uma parte do latifúndio. Esse ato teve um
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caráter diferenciado dos demais que vinham se dando no estado, isso por ser um conflito que já havia sido planejado e por repercutir na imprensa do estado e do Nordeste.
Após a primeira ocupação, os trabalhadores de Poço Redondo, sofreram despejos dois dias depois – a 25 de setembro – com violentas e humilhantes ações policiais, comandadas pelo então juiz de direito da Comarca de Porto da Folha, Francisco de Melo Novais, e do delegado de Nossa Senhora da Glória, tenente Welington Costa. Gerou-se um clima tenso e de insegurança. Após dez dias da expulsão da fazenda, em cinco de outubro, policiais militares fortemente armados, comandados pelo então delegado Welington Costa, destruíram o acampamento, lideranças foram presas e espancaram os trabalhadores que foram tangidos do acampamento, mas eles resistiram, como descreve Sobral:
No dia 5 de outubro, a policia não satisfeita, destruiu o acampamento na beira da estrada. Os ocupantes então mudaram a estratégia, chamada por Raimundo de assentamento popular: de dia, eles ocupavam as terras e, de noite, eles voltavam para Poço Redondo para dormir. E este grupo inicial começou a crescer rapidamente, mesmo diante das pressões. O grupo marcava as assembléias na caatinga e discutia as formas de encaminhamento dos problemas. Nessas reuniões apareceu um grupo de apoiadores de Nossa Senhora da Gloria, de mais ou menos dez pessoas, dentre eles João Santana, Mikchael Dessy e Madalena Santana. (2006, p. 108).
Umbuzeiro
Ruínas da casa velha
Fotos 2 – Marcos do grupo6 de Poço Redondo na luta de Barra da Onça (umbuzeiro onde se reuniam e ruínas da casa velha, sede da fazenda)
Fonte: Foto do autor
6 Representação usada como o símbolo que, até hoje, representa e identifica o grupo.
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O grupo de Glória que inicialmente apenas apoiara a luta dos acampados de Poço Redondo, percebendo que a terra era extensa para os trabalhadores que ali estavam, se propôs a ocupar uma parte do latifúndio. Assim, as lideranças sindicais de Glória, que já haviam organizado trabalhadores para conquistarem um pedaço de terra, ocuparam uma parte da propriedade, em um espaço de terra afastado do grupo de Poço. Eram aproximadamente, 40 pessoas, lideradas pelo presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais daquele município, João Santana, mais popularmente conhecido por João Sessenta. O “grupo de Glória”, como ficou conhecido, não acampou nas terras por eles próprios ocupadas, preferiram continuar em Nª Senhora da Glória, vindo à fazenda alguns dias por semana para prepararem a roça.
Foto 3: Marco do grupo de Glória na luta de Barra da Onça
Foto 4: Marco do grupo de Porto da Folha na luta de Barra da Onça
Fonte: Foto do autor
Outro grupo que também ocupou uma área desse latifúndio, em 25 de novembro do mesmo ano, foi o de Porto da Folha, liderado por Frei Enoque.7 Eram cerca de 60
7 Enoque Salvador de Melo, pároco do período, na paróquia daquele município.
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trabalhadores que ocuparam um lado oposto ao do grupo de Poço Redondo e tiveram ajuda de um pequeno proprietário da região, que cedeu um pedaço de suas terras para os sem terra erguerem o acampamento, já que os mesmos foram despejados antes mesmo de armarem os barracos. Em entrevista à professora Neide Sobral, Maria Cienes de Góis relata a ajuda:
Uma pessoa que foi muito forte, teve um papel de muita importância na nossa luta, foi (...). Ronaldo. Ele era um pequeno proprietário de terra. Ele dizia para nós que ele acreditava nisso. Ele acreditava na reforma agrária e que ele queria que todo mundo tivesse um pedaço de terra que nem ele.8
Além dos grupos de trabalhadores acampados em Barra da Onça, a partir da organização dos sindicatos de Poço Redondo, de Nª Senhora da Glória e Porto da Folha, vieram também trabalhadores dos povoados Sítios Novos e Lagoa Redonda e do município de Monte Alegre de Sergipe.
Os conflitos não cessaram. Uma nova operação policial se deu em 27 de novembro, contra o ultimo grupo, que nem teve tempo de erguer o acampamento dentro da fazenda, por isso ficou na terra de Ronaldo, como dito antes. O mesmo tenente Welington Costa comandou a nova operação e usou da mesma truculência para despejar o grupo de Porto da Folha, que passou por humilhações desagradáveis, “sendo obrigado a subirem em uma caçamba requisitada pela policia, e serem jogados no meio da rua do povoado Lagoa Redonda” (Michel Dessy9 - Guido Branco – em entrevista cedida ao autor, em 18/12/2007). Para eles, isso foi pior que não verem a realização do sonho de terem um pedaço de terra.
Após esses conflitos, comissões de trabalhadores acampados fizeram audiência no INCRA, na Secretaria de Agricultura e em outros órgãos governamentais, em busca de soluções para tais conflitos e a desapropriação da área. Não obtendo sucesso, os trabalhadores realizaram algumas mobilizações e atos públicos, no município de Poço Redondo e na capital. Entre eles se destacam: o acampamento em frente ao palácio do Governo, na Praça Fausto Cardoso, em março de 1986, denunciando que os acampados estavam passando fome e em condições subumanas. Outra mobilização de destaque foi a ocupação do INCRA, de 14 a 30 de maio de 1986.
8(Entrevista cedida à autora em 15/10/1997, em Poço Redondo), cf.; SOBRAL, 2006.
9 Michel Dessy é assentado no Projeto de Assentamento Barra da Onça e foi um importante líder na luta por esse assentamento, atualmente é um dos responsáveis pelo desenvolvimento da organização do Laticínio União, no próprio assentamento.
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Em uma dessas mobilizações, o então governador do estado, João Alves Filho, recebeu os acampados:
O governador João Alves Filho, que ate então recusava a receber uma comissão formada pelos ocupantes e suas lideranças, inclusive militantes do comitê, recuou e recebeu a comissão. Nessa reunião, ficou acertada a ida do governador, acompanhado de uma comissão de ocupantes, de um representante da igreja e de um delegado do INCRA a Brasília, para tentar junto ao Ministério da Reforma Agrária a desapropriação do imóvel. (SILVA e LOPES, 1996, p. 36).
Essa viagem se deu em 15 de março de 1986. Após a audiência, a comissão saiu com a promessa de que a fazenda Barra da Onça seria desapropriada em breve. Como forma de pressão, os acampados voltaram a ocupar o INCRA, no dia 15 de maio do mesmo ano. Eram mais de 100 trabalhadores na ocupação, no intuito de obterem uma resposta do dirigente do INCRA, Manoel Hora, na agilidade da desapropriação do latifúndio. Esses mesmos trabalhadores realizaram, no dia 17, uma passeata até a Assembléia Legislativa, em busca de apoio dos deputados, pois os acontecimentos de Barra da Onça haviam repercutido naquela Casa Legislativa. Assim os deputados Marcelo Deda, Marcelo Ribeiro, ambos do PT, e Neilson Araújo, do PMDB, passaram a apoiar a ocupação, como grandes aliados dos Sem Terra naquela Casa.
Enfim, a conquista de Barra da Onça: foi desapropriada no dia 27 de junho de 1986, pelo Decreto 92.840, tendo imissão de posse em 19 de agosto do mesmo ano. Foram assentadas 213 famílias das 300 que estavam acampadas no imóvel. O assentamento preservou o nome do imóvel, Barra da Onça... O mesmo fica a 2 km da sede do município. É um dos maiores imóveis desapropriados em Sergipe para fins de Reforma Agrária, no período de 1985 a 1989.
O assentamento passou a se organizar em associações de acordo com os grupos formados desde a ocupação, desenvolvendo a organização do trabalho coletivo, principalmente o grupo de Poço Redondo, que já desenvolviam essa pratica desde a ocupação em 1985.
Os excedentes de Barra da Onça ocuparam, em 26 de dezembro de 1986, a Fazenda Pedras Grandes, no mesmo município, que era do mesmo dono e que estava abandonada. Juntaram-se a eles trabalhadores de Monte Alegre e do povoado Sítios Novos. O acampamento, assim como Barra da Onça também
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sofreu perseguição da Policia Militar e dos fazendeiros, sob comando do então governador do estado, como relata um assentado entrevistado:
Quando fizeram os barracos ali do lado de cima, foi quando a policia veio, prendeu gente, escurraram outros, queimaram barracos, queimou galinha, panela, feijão, o que tinha dentro, derrubaram tudo e queimaram com tudo. ...
Na época o prefeito era seu Duvá, veio com a policia mandada do governo. O governador também era seu João Alves Filho.10 Ai veio, derrubaram os barracos, queimaram os barracos. Eles (os acampados) se afastaram, uns correram, dessa desocupação teve gente que não voltou mais, mas os outros que acreditaram voltaram e se acamparam debaixo do pé de umbuzeiro e ficaram lá. Mais dos dias chegava o carro de policia... Via carro, todo mundo ficava com medo, mais dos dias a policia chegava... Por sinal alguns companheiros foram presos...11
Porem, os trabalhadores continuaram resistindo e se organizando dentro do acampamento, o que se dava de forma coletiva. Exploravam o latifúndio com roças coletivas, onde todos trabalhavam em conjunto, “até a comida era feita para todos em uma mesma panela”, segundo uma assentada entrevistada (Cicera da Silva, entrevista em 19/12/2007). Nessa organização, tiveram grande apoio de Frei Enoque, o qual fazia arrecadações de alimentos, acompanhava e dava grande apoio orgânico aos acampados. Inclusive, os assentados atuais têm uma grande admiração por esse líder político e religioso.
Enfim, após resistirem a perseguições, prisões e torturas, a conquista do imóvel pelos acampados se deu com a desapropriação, em 15 de abril de 1988, com imissão de posse em 28 de julho do mesmo ano.




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