FÉ E LUTA SOCIAL: MARCAS DA ROMARIA DA TERRA
EM BOM JESUS DA LAPA
Posted
by Carlos Eduardo Freitas
“Direitos
humanos não se pede de joelhos. Exige-se de pé”… Uma multidão de 6 mil romeiros
e militantes das causas sociais, baianos e de mais seis estados, tomou a
esplanada da gruta ao Bom Jesus da Lapa para homenagear o autor da
desconcertante frase, o falecido ativista Dom Tomás Balduino, durante a
realização da 37ª Romaria da Terra e das Águas, “Libertar a terra é defender a
vida”, no início desse mês, em Bom Jesus da Lapa, terra do turismo religioso na
região Oeste da Bahia.
“Eu vou
tocar minha viola, eu sou um negro cantador. O negro canta deita e rola, lá na
senzala do Senhor. Dança aí negro nagô, dança aí negro nagô…”, o canto do
quilombola ‘Seu’ Luiz Firmino, deu o tom dos debates.
Grupo de samba de roda
quilombola. | Foto: Cadu Freitas/BnL
Com
Velas, cruzes, terços, instrumentos da fé católica. Mas também pás, inchadas,
foices, instrumentos do trabalho na terra. Os romeiros vivenciaram de 04 a 06
de julho não só as instâncias da religiosidade que exala da mística gruta, que
abriga a Capela da Soledade, mas debateram temas políticos e sociais durante os
famosos plenarinhos.
Fé em meio à reivindicações
sociais. | Foto: Divulgação Santuário
“Só falhei uma. Aqui a gente aprende muito nos
plenarinhos, renova força para enfrentar as batalhas dos nossos outros irmãos
com sabedoria”, endossa Mirian Porto da Silva, romeira de Morro do Chapéu (BA),
ao participar pela 18ª vez na Romaria. Temas como políticas para povos e
comunidades tradicionais [quilombolas, indígenas, ribeirinhos…], defesa da vida
humana, juventude e direito à terra foram discutidos no encontro.
Os romeiros aproveitaram para
comprar lembrancinhas do lugar. | Foto: Cadu Freitas/BnL
Jovens,
da Pastoral da Juventude (PJ) ou apenas curiosos, lotaram também as ruas de Bom
Jesus da Lapa, durante a segunda maior romaria de Bom Jesus da Lapa [a primeira
ocorre em outubro, dedicada ao santo]. “Viemos com 50 pessoas. Todos diziam que
é muito bom e quisemos conhecer e viver essa experiência”, contam, como num
‘jogral’, os jovens Flávio Santos, Júnior Diniz e Leonardo Batista, ambos
vindos de Irecê.
Plenarinho da juventude discutiu
políticas públicas para os jovens baianos. | Foto: Cadu Freitas/BnL
“O povo
de Deus, no deserto andava, mas à sua frente, alguém caminhava. Também sou seu
povo Senhor…”, comandando cantigas de romeiros e devotos, Nelson Nunes,
liderança quilombola de Vitória da Conquista, convidava o povo para a luta pela
terra e contra as desigualdades raciais e sociais. “Tenho orgulho de ser
quilombola. Temos que lutar por nossos direitos e contar nossas conquistas”.
Ações sociais, devoção e clamores
por direitos do povo marcaram a Romaria. | Foto: Cadu Freitas/BnL
A
programação abrigou ainda uma via-sacra, do Santuário até as margens do
imponente rio São Francisco, local onde realizaram o “gesto concreto” de
coletar o lixo jogado no cais, como símbolo da “necessidade de se preservar as
bacias hidrográficas”. Eles cobraram também ações mais concretas para a
recuperação dos rios. Uma “Noite Cultural”, no sábado (05), fez a alegria dos
milhares de romeiros.
Vista aérea de Bom Jesus da Lapa
vista. | Foto: Cadu Freitas/BnL
A Romaria
da Terra e das Águas é organizado pelo Santuário de Bom Jesus da Lapa, pela
Comissão Pastoral da Terra (CPT), pelas dioceses de Bom Jesus da Lapa, Barra,
Barreiras, Irecê e Arquidiocese de Vitória da Conquista e movimentos sociais.
Além do tema deste ano, o evento homenageou o bispo fundador da CPT, Dom Tomás
Balduino, que teve como marca o compromisso com a luta do povo.
Os romeiros do Bom Jesus da Lapa.
| Foto: Divulgação Santuário
O
encerramento, no domingo (06), além de missas e debates na gruta, foi marcado
pela confecção da “Carta da 37ª Romaria da Terra e das Águas ao Bom Jesus da
Lapa”, que narra os princípios e anseios para “libertar a terra” e “defender a
vida”.
Santuário do Bom Jesus da Lapa lotaram a gruta. |
Foto: Cadu Freitas/BnL
Trecho do
documento narra o “espírito” da Romaria: “A igreja da Lapa foi feita de
pedra e luz.” Assim cantam os romeiros e romeiras no Santuário do Bom Jesus da
Lapa. Nós da 37ª Romaria da Terra e das Águas, cerca de 6.000 pessoas dos
vários cantos da Bahia e também de Minas Gerais, Pernambuco, Goiás, Mato
Grosso, Paraná e Rio de Janeiro, tomamos deste canto popular tradicional a
inspiração para comunicar às comunidades, às organizações populares e movimentos
sociais, às igrejas, às autoridades e à sociedade brasileira, as pedras e as
luzes que esta romaria identificou em nossa caminhada de fé e luta. Pedras de
tropeço, dureza, peso, dificuldade, mas também firmeza, teimosia, resistência.
Luzes que iluminam o chão da caminhada e também o horizonte da chegada, o fim
do túnel, a alvorada do Reinado de Deus, que é Amor, Justiça e Paz em tudo e
todos. Em cada momento de nossa romaria, da celebração de abertura à de envio,
na via sacra de Cristo e do povo e do corpo do mundo, nos cinco plenarinhos
temáticos, no ritual da penitência, no ofício de Nossa Senhora e no grande
plenário conclusivo, perpassaram o desejo premente e o compromisso inadiável da
terra livre e da vida em abundância“…
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