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quarta-feira, 28 de junho de 2017

MARCHA PELA TERRA

MARCHA PELA TERRA

29 DE DEZEMBRO DE 2016
“Bendita e louvada seja esta romaria, Bendito o povo que marcha, bendito o povo que marcha, tendo Cristo como guia”…
O canto do Zé Vicente (Bendito dos Romeiros) se tornou um hino e, toda vez que ouço, tenho boas recordações da Romaria da Terra e das Águas do Bom Jesus da Lapa,
Para quem não sabe, há 38 anos o Santuário do Bom Jesus, em Bom Jesus da Lapa, na região oeste da Bahia, recebe a Romaria da Terra e das Águas.
São 38 romarias realizadas pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), pelas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), e pelas dioceses de Irecê, Barra, Bom Jesus da Lapa, pela arquidiocese de Vitoria da Conquista e pelos movimentos sociais ligados à luta pela terra e em defesa das águas.
As Romarias da Terra têm um caráter ecumênico e macro ecumênico, incorporando ritos e símbolos de outras religiões ao universo católico.
As Romarias da Terra valorizam o religioso, e não falham na sua contribuição profética. Elas têm um sentido simbólico, acham sua fonte na própria marcha da humanidade.
CONFLITOS E CONQUISTAS
Sempre houve lugares que despertaram fascínio sobre as pessoas e para os quais elas foram e vão à busca de algo para suas vidas. O mais comum é que as Romarias da Terra se realizem em lugares marcados por algum fato significativo da luta pela terra ou água: um conflito, uma conquista. As terras do Bom Jesus da Lapa explicam tudo, se situa as margens do Velho Chico, rio marcado para morrer.
É um espaço onde comunidades tradicionais, povos da terra, povos das águas, ribeirinhos, pescadores, povos de fundo fecho de pasto, quilombolas e geraizeiros (agricultores que habitam as margens do rio São Francisco entre o norte de Minas Gerais  o oeste da Bahia, entre o cerrado e a caatinga, e dividem uma propriedade comum, chamada de quintal) manifestam suas alegrias, angústias e suas lutas, compartilhadas com todos que defendem seus territórios ameaçados pelos os grandes empreendimentos que degradam e expulsam as pessoas de seus territórios.
São três dias de romaria. Nesse período, têm alguns momentos que consideramos fortes. É claro que toda a mística da Romaria da Terra e das Águas tem sua importância para os povos, mas existem os espaços que chamamos de lugar onde ouvimos o lamento dos participantes. É o local da escuta, onde os povos que vêm para romaria fazem suas denúncias. E não são poucas.
A romaria ela começa em uma sexta-feira com uma missa, uma espécie de acolhida a todos. No dia seguinte, logo cedo, ocorrem os plenarinhos, que é a realização de discussões sobre cinco subtemas específicos, de acordo com a realidade de cada grupo participante e relacionados com a temática principal da romaria
AS NOSSAS LUTAS
Ainda no sábado acontece a Via Sacra, que é para mim um dos momentos mais impactantes da romaria. Eu, há mais de oito anos participo da Romaria da Terra e das Águas. Neste tempo também trago meus anseios e angústias e creio que a participação popular nestes espaços é de fundamental importância, pois são neles que historicamente nós, os povos, temos voz e vez. Momento em que vemos nos rostos de cada um e cada uma de suas lutas. Uma luta em defesa da vida.
Eu vejo a vida aflorar nesse momento. Enxergo uma luta que há 38 anos acontece e que continua a mesma com novos problemas e desafios, mas sempre renovada com o vigor de esperança.
A Via Sacra segue com rezas, benditos, ladainhas e incelenças proclamadas para um rio que morre ligeiramente a cada dia pela a ganância dos grandes projetos. Mas o canto também segue:
“Não deixe morrer/ Não deixe o rio morrer/ Se não o que será de mim que só tenho este rio pra viver…”
Lavradores, lavradoras, ribeirinhos, ribeirinhas, sem terra, guardiões e guardiãs das águas do Velho Chico carregam suas cruzes como espadas, como resistência. Levam a devoção popular e as luzes do Evangelho do Cristo libertador.
Em marcha, os romeiros alertam para a destruição da natureza, para o futuro do homem na Terra e denunciam a violência e o descaso do Estado com os trabalhadores e trabalhadoras rurais.
Cada cruz tem a característica mística de sua região identificada, a maioria é das regiões do semiárido, onde a água é mais escassa e a luta pela sobrevivência é intensa. As cruzes enfeitadas com elementos representativos são místicas e históricas.
LIBERTAÇÃO E VIDA
Para o romeiro a cruz é sinal das lutas, da libertação e da vida. Algumas delas estão ali desde a primeira Romaria da Terra, que antes era chamada só desta maneira. Com o passar dos anos, para simbolizar a luta dos povos das águas, passou a se chamar Romaria da Terra e das Águas.
A cruz é símbolo de luta e resistência. Foto: Joabes R. Casaldáliga

A Via Sacra é um desfile sagrado de cruzes com enfeites variados, fitinhas, panos, cabaças, garrafinhas d´água e sementes representando a fartura da terra. A Via Sacra é finalizada sempre as margens do Velho Chico (ou o que resta ainda dele). A mística final é a imagem de São Francisco, sempre levada por Dom Luiz Cappio, bispo da Barra, que é uma referência das lutas pela vida do rio. A imagem do santo é colocada no centro da mística popular dos povos do campo e dos ribeirinhos e ribeirinhas.
A romaria termina no domingo, com o “grande plenarão” ou “plenerão final”, como é chamado. É para este encontro que são levadas todas as discussões realizadas e que serão apresentadas, sistematizadas, a todos e todas. Com elas, as dores e angústias dos povos servirão para elaboração da carta final, que será trabalhada nas comunidades e servirá de referência para os movimentos sociais durante o ano. A carta também pode ser entregue às autoridades, como aconteceu em anos passados.
A romaria segue, a nossa via sacra segue. Cantamos e rezamos a vida do povo em busca por dias melhores. Que nossas cruzes sejam de luta e resistência!

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