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sexta-feira, 30 de junho de 2017

CONFLITOS E LUTA PELA TERRA EM POÇO REDONDO 1996-2000

CONFLITOS E LUTA PELA TERRA EM
POÇO REDONDO 1996-2000


Por Gidelmo Santos de Jesus
In.: Monografia do Curso de Licenciatura em História pela Universidade Federal da Paraíba UFPB – intitulada A luta pela Terra e a consolidação do MST em Poço Redondo/SE – 1996/2000. UFPB 2008

Sabemos que a luta de Barra da Onça foi organizada pela Igreja e pelos STRs, porém, ela é considerada um marco do surgimento do MST em Sergipe, como já relatado. Nesse contexto, o MST em Sergipe, a partir de 1985, passa a se organizar articulado com a CPT, da Diocese de Propriá e com os Sindicatos de Trabalhadores Rurais de diversos municípios.
Esse momento é de articulação a nível nacional, de partir para a ofensiva para descaracterizar o, então, lançado Plano de Reforma Agrária do governo José Sarney, pois se tratava de um plano para “abafar” os conflitos de terra, menos para resolver a questão da Reforma Agrária.
As divergências da Diocese com o MST fizeram com que as lideranças do sindicato de Glória assumissem a primeira direção do MST, “em um processo de afastamento das orientações da diocese (SOBRAL, 2006, p. 105). Pois os grupos de Glória e de Poço Redondo, em Barra da Onça, já haviam se afastado da liderança da Igreja. Assim, os irmãos João Sessenta e Madalena, ambos lideranças sindicais do grupo de Nossa Senhora da Glória, assumem a direção do MST no estado, fixando sua primeira secretaria estadual nesse município. Porém, criam-se divergências com Dionísio, que liderava o grupo de Poço Redondo e que havia, também, rompido com a Igreja.
Resumindo, o MST/SE passava a desenvolver sua luta a partir dos conflitos e divergências existentes internamente na Barra da Onça, daí em diante passando a desenvolver varias lutas pela posse da terra no estado. Sobre esse contexto, para entender a trajetória do Movimento Sem Terra no estado de Sergipe, tomemos como base a analise feita por Cintra (1999), em sua dissertação de mestrado, na qual descreve essa trajetória em quatro fases:
A primeira fase se dá de 1985 a 1988, corresponde à fase de criação do MST no estado. Considera-se que, nessa fase, o Movimento atuava de forma mais dependente dos outros movimentos sociais e organizações...
Nesse período são apontadas três grandes dificuldades enfrentadas pelo Movimento no Estado de Sergipe: a primeira era a falta de lideranças capacitadas; a segunda era exatamente a relação de dependência entre o MST, o Comitê de Apoio Permanente à Luta dos Trabalhadores Rurais e
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da Diocese de Propriá; e a terceira, a tentativa da Igreja em manter o MST como parte de sua estrutura...
Nessa primeira fase, as entidades que deram apoio ao MST em Sergipe foram: a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB); o Comitê de Apoio Permanente a Luta dos Trabalhadores Rurais; a Diocese de Propriá; da Central Única dos Trabalhadores (CUT); alem do apoio do deputado estadual do PT, Marcelo Deda.13
Como defensores dos interesses dos latifundiários em Sergipe, nesse período, personalidades como: o governador do estado João Alves Filho e, posteriormente, Antônio Carlos Valadares14, ambos do PFL; o líder do governo na assembléia legislativa, o deputado Djenal Queiroz (PDS), juntamente com a bancada governista, alem da Associação de Criadores de Sergipe (ACES)...
O que podemos identificar nessa primeira fase do MST em Sergipe é que a preocupação dos que faziam o Movimento estava centrada no acesso a terra.
Uma segunda fase do MST em Sergipe compreende os anos de 1988 e 1989 e poderia ser considerado uma fase de transição, como sinala OLIVEIRA ( 1996). É uma fase na qual o Movimento busca autonomia e independência em relação aos seus interlocutores, mediadores e organizações de apoio. Esse período é, também, marcado pela presença de dirigentes nacionais do MST e pela introdução de formação política dos seus quadros.
Nesse período, há a ampliação do numero de ocupações no estado sob a direção do Movimento... Vindo a se espraiar, nessa segunda fase, em direção ao centro sul do estado por iniciativa do MST...
A ocupação da Fazenda Cruiri marcou, assim, o rompimento definitivo do MST com a Diocese de Propriá... Nessa época circulavam em Sergipe lideranças do Movimento que hoje são destaque em nível nacional, como: José Rainha Júnior e sua mulher Deolinda, Jaime Amorim, Geraldinho, alem de João Somariva Daniel15... Alem disso, lideranças sergipana, que também se deslocaram de Sergipe para ajudar as lideranças de outros estados do Norte e Nordeste do Brasil, como foi o caso de Vera Villar e Gilton Silva, que, entre os anos de 1989 a 1992, estiveram na organização e mobilização dos sem-terra nos estados de Alagoas, Paraíba, Ceará e Pará...
Essa segunda fase do MST em Sergipe pode ser caracterizada pela busca de autonomia e pelo afastamento de agentes mediadores e de apoio. É uma fase na qual o Movimento busca caminhar com suas próprias pernas. É, também, um período em que a luta pela terra em Sergipe sai do espaço geográfico de atuação da diocese de Propriá para conquistar outros espaços do território sergipano.
A terceira fase do MST em Sergipe é uma fase de expansão desse Movimento no Estado, que começa em 1990 e vai ate 1994.
Porém, pelos estudos por nós realizados, essa fase não termina em 1994, como descreve a autora, mas sim em 1996, pois a expansão do MST em Sergipe só termina quando a mesma já esta organizada em todas as regiões do Estado. E é nesse ano (1996) que
13Atual governador do estado de Sergipe.
14Atual senador do estado pelo PSB e defensor da Reforma Agrária.
15Permanece até hoje contribuindo com o Movimento em Sergipe.
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o mesmo retoma a luta na região do sertão sergipano, passando a estabelecer nessa região sua organização massiva e qualitativa...
Essa fase é marcada por uma mudança de cunho político no interior do movimento, cujas características mais marcantes podem ser assim explicadas: maior centralismo de poder e a hierarquização entre os quadros de militantes, bem como pela conquista de autonomia em relação aos outros movimentos sociais e organizações.
A conjuntura política que se instala a partir de 1990 com a chegada a Presidência da Republica de Fernando Collor de Mello, latifundista e usineiro alagoano, representou um retrocesso na luta dos trabalhadores rurais... Em decorrência dessa difícil conjuntura, há um nítido refluxo do Movimento em Sergipe nesse período, devido às grandes perseguições desencadeadas contra os trabalhadores rurais sem terra e, sobretudo, as lideranças do Movimento.
...uma importante conquista para os Sem Terra sergipanos se deu com a fundação do Centro de Capacitação Canudos (CECAC), no P. A. Moacir Wanderley em 1993. O nome é uma homenagem aos 100 anos de Canudos... 16
Já a última fase trabalhada pela autora, a quarta, inicia-se ainda em fins de 1996 e inicio de 1997, e não em 1995, como ela descreve, e pelos estudos que realizamos, essa fase se desenvolve até o ano 2000. “Essa fase pode ser considerada como a fase de consolidação do MST no Estado de Sergipe. É um período de crescimento quantitativo como também qualitativo” (CINTRA, 1999, p. 72).
Como grande desenvolvimento de formação política desta quarta fase, o CECAC torna-se um centro de referência, não apenas para o estado, mas também para todo o Nordeste.
Uma quinta fase do MST em Sergipe é a que se dá desde o ano 2000 e se estende até os dias atuais, sendo um período de crescimento político através das forças e relações políticas que vêm se travando dentro do estado. Assim, desenvolvendo-se uma maior qualificação da militância atuante dentro dos setores e recebendo grande apoio da população sergipana, através das grandes mobilizações massivas, como é o caso do ato realizado todos os anos, no dia 25 de julho, em Aracaju, em comemoração ao dia do trabalhador rural, que tem se tornado tradição no conjunto do Movimento no estado. Com isso, o MST/SE vem transformando sua luta em uma grande força de conscientização política de sua base e da sociedade sergipana, sendo exemplo para a classe menos favorecida.
16Resumo de parte do capitulo 2 da dissertação de mestrado da autora.
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Foto 5: Mobilização do 25 de julho no centro de Aracaju
Fonte: Arquivo do MST/SE
Nas fases descritas anteriormente, em cada uma delas há derrotas. Porém, inúmeras conquistas as superam. Entre as derrotas, está a perseguição às lideranças, morte de companheiros, destruição dos acampamentos, etc. Entre as conquistas, há um grande número de assentamentos, que já chega hoje a mais de 150, com aproximadamente 130 mil hectares desapropriados onde estão assentadas mais de 7700 famílias, formação da militância, apoio da sociedade, criação de cooperativas, entre diversas outras conquistas, envolvendo centenas de trabalhadores que, com seu trabalho nos diversos assentamentos espalhados por todo o estado, vêm provando, na prática, a viabilidade da Reforma Agrária no campo sergipano.
Em todas essas fases, foram desenvolvidas grandes lutas e mobilizações a nível estadual e a participação massiva em mobilizações nacionais, de militantes sergipanos. Marchas, ocupações no INCRA, atos públicos, ocupações massiva de terra, entre diversas outras formas de mobilizações, as quais dão ao MST grandes vitórias, provando para a sociedade a viabilidade da luta e da organização. É nesse contexto e na formação da consciência que o MST contribuiu para a derrota das oligarquias sergipana17, criando grandes relações de forças políticas. Nessa transformação, o sertão sergipano, que concentra a maior massa do Movimento no estado, é um grande exemplo dessa transformação, pois,
17 Refiro-me aqui a participação do MST para a derrota do ex-governador do estado, João Alves Filho (PFL) que sempre perseguiu os trabalhadores.
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junto com outras forças políticas, conseguiu ter grandes avanços nas grandes transformações que vem se dando nessa região, que sempre foi curral eleitoral dessas oligarquias...
2.1 12 de março de 1996 – marco de uma nova história
É no contexto da fase de expansão do Movimento no estado, que o mesmo tem grande atuação no município de Poço Redondo, passando a desenvolver-se já na fase de consolidação, uma vez que a grande ocupação que transforma a realidade desse município, se dá no ultimo ano da expansão do Movimento em Sergipe. Essa atuação, então, se dá com a grande ocupação das instalações da Usina Hidroelétrica de Xingó, às margens do rio São Francisco, entre Sergipe e Alagoas, no dia 12 de março de 1996. Eram cerca de duas mil famílias que ocuparam o alojamento da CHESF (Companhia Hidrelétrica do São Francisco), representando a maior ocupação do Movimento Sem Terra, até então, no estado de Sergipe.
Foto 6: Assembléia na ocupação da CHESF em março de 1996
Fonte: Arquivo do MST/SE
Essa ocupação tinha seus objetivos e finalidades definidas, ou seja, reivindicava-se a desapropriação das Fazendas Cuiabá (com 2.023 hectares), e a Fazenda Bela Vista (com 1.200 h), ambas no município de Canindé do São Francisco. Porém, a principal reivindicação se dava pela desapropriação de 15 mil hectares no município de Poço Redondo, incluindo-se nelas mais de cinco mil hectares que transformariam o Projeto de
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Irrigação Jacaré Curituba, em projeto de assentamento de Reforma Agrária, que teriam sido planejados para a implantação de lotes empresariais.
Os trabalhadores envolvidos nessa ocupação eram oriundos de todos os municípios do sertão sergipano18, como também trabalhadores vindos de Alagoas, Pernambuco e Bahia.19 Em sua maioria, eram trabalhadores rurais que trabalhavam no alugado para grandes e pequenos latifundiários da região, mas também trabalhadores urbanos, que haviam sido expulsos do campo com o avanço do agronegócio, além daqueles que haviam ficado desempregados com o fim das obras da hidroelétrica de Xingó.
2.2 Ocupações e conflitos
A ocupação da CHESF, em março de 1996, como já relatada, tinha objetivo e finalidades já definidas. Por isso é que ela é o marco inicial da retomada da luta pela terra, da fixação e da consolidação do Movimento Sem Terra em Poço Redondo. A partir de então, é que surgem, no referido município, diversas ocupações e conflitos de terras, como também uma grande organização do Movimento, que passa a ter referências no município e para toda a região sertaneja, inclusive sendo instalada a Secretaria Regional no Assentamento Pioneira.
Foto 7 – ocupação da Fazenda Cuiabá
Fonte: Sebastião Salgado (Arquivo do MST/SE)
18Fazem parte do sertão sergipano os municípios de Canindé do São Francisco, Gararu, Monte Alegre de Sergipe, Nossa Senhora da Glória, Poço Redondo, Porto da Folha, Feira Nova, Nossa Senhora Aparecida, Gracco Cardoso e Itabí. Sendo que na divisão orgânica do Movimento no estado só fazem parte dessa região os sete primeiros; os demais municípios estão incluídos na regional agreste.
19Os trabalhadores desses estados vieram para Sergipe para trabalharem na obra da hidroelétrica de Xingó. Como a construção havia concluído, esses trabalhadores ficaram desempregados, morando nos municípios de Canindé e Poço Redondo.
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Os trabalhadores permaneceram acampados no alojamento da CHESF durante um mês. Em seguida, ocuparam, no dia 12 de abril, a Fazenda Cuiabá no município de Canindé de São Francisco, e, somente no mês de setembro do mesmo ano, é que a luta passa a se estabelecer em Poço Redondo, com as ocupações de terras e diversas formas de lutas.
2.2.1 Ocupação da Fazenda Alto Bonito
No dia 18 de setembro do mesmo ano (1996), cerca de 1600 famílias, oriundas da ocupação da CHESF, deixaram a Fazenda Cuiabá e ocuparam a Fazenda Alto Bonito, na divisa entre os dois municípios – Canindé e Poço. Esse latifúndio fazia parte do território reivindicado para a implantação do Projeto de Assentamento Jacaré Curitiba.
Nesse acampamento, os trabalhadores sofreram perseguição por parte da Polícia e dos capangas do latifundiário, inclusive dois despejos. Embora calmo, o latifundiário expulsou da terra em que estavam acampados, os trabalhadores, deixando-os em situação de risco à margem da rodovia. Alem disso, os trabalhadores sempre entraram em conflito também com funcionários do INCRA, que iam ao acampamento, pois chegou um momento em que os trabalhadores não acreditavam mais no que os mesmos falavam. No entanto, a pressão estabelecida no acampamento não intimidou os trabalhadores, que, organizadamente, em grupos de 20 famílias, passaram a explorar o latifúndio para o sustento das respectivas famílias. Inclusive, como formas de pressão, demarcaram os lotes por grupos de produção para cultivarem suas roças. Alem de cultivarem nas terras do latifúndio, os trabalhadores também vendiam sua força de trabalho nos lotes irrigados do Projeto Califórnia, que estava vizinho do acampamento e, que, naquele momento, foi fundamental para o sustento das famílias, que moravam naquela grande “cidade negra”20 às margens da rodovia.
De inicio, a principal luta desses trabalhadores era pela transformação do projeto Jacaré Curituba, que havia sido planejado para a implantação de lotes empresariais, em lotes para pequenos assentados, ou seja, transformar o projeto que era para os ricos empresários, em um projeto para os pobres trabalhadores. Para isso, realizou-se uma marcha de Canindé a Aracaju, com duração de 12 dias, enquanto uma comissão formada por lideranças do Movimento, representante do INCRA/SE, governo do estado e prefeitos da região, ia a Brasília, em uma audiência com o Presidente da República. Nessa audiência, o governo cedeu à reivindicação dos trabalhadores, com a condição de que os assentados assumissem
20 Refiro-me ao acampamento constituído em uma imensa vastidão de barracos de lona preta.
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os lotes empresariais, com a responsabilidade em trabalhá-los coletivamente para a fruticultura irrigada. E também, dando uma trégua nas ocupações de terra no estado.
O acampamento foi muito movimentado e teve uma intensa luta até a conquista, em 19 de dezembro de 1997, com imissão de posse para assentar 760 famílias. Essa movimentação se deu por conta dos acampados terem a oportunidade de opinarem pelo tipo de produção que pretendiam, ou seja, pela produção irrigada ou seca. Assim, é que, aqueles que não queriam a irrigação, tiveram que deixar o acampamento – planejado para a implantação de um projeto irrigado – e ocuparem novas áreas. Uma parte desses acampados deixou o acampamento e ocupou, além de áreas em Glória e Monte Alegre, as fazendas Pioneira, Queimada Grande e Lagoa das Areias, ambas no município de Poço Redondo, como se verá adiante.
Foto 8: Ocupação da Fazenda Alto Bonito na manhã do dia 18/09/1996
Fonte: Arquivo do MST/SE
2.2.2 Ocupação da Fazenda Pioneira
A fazenda já havia sido oferecida à venda ao INCRA, para a implantação de assentamento de Reforma Agrária. Assim, dos trabalhadores que optaram pelos lotes sequeiros no acampamento Alto Bonito, 21 deles se inscreveram para ocuparem este imóvel, que se deu no dia 24 de dezembro de 1996.
Os acampados montaram os barracos no curral da fazenda, às margens da rodovia. Foi um acampamento pacífico, na medida do possível. Os acampados se organizaram em dois grupos de manutenção do acampamento, de forma que o mesmo fosse habitado sempre por famílias. Quer dizer, os grupos se revezavam dentro do acampamento, onde um grupo permanecia por uma semana enquanto o outro ficava livre do mesmo, podendo os trabalhadores saírem do acampamento em busca do sustento de suas famílias.
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Assim permaneceram durante quase um ano, até ser liberada a terra, com a chegada da imissão de posse, em 09 de dezembro de 1997, assentando-se 17 famílias em, aproximadamente, 500 hectares de terras da antiga fazenda. É nesse assentamento – na estrutura da sede – que o MST instala sua primeira Secretaria Regional do sertão, tendo um controle da luta em toda a região.
2.2.3 Ocupação da Fazenda Queimada Grande
Dos trabalhadores que deixaram o acampamento Alto Bonito, no dia 24 de dezembro de 1996, 145 famílias ocuparam a fazenda Queimada Grande às margens da rodovia e no lado oposto da sede do município.
O acampamento se organizou em grupos de 20 e 25 famílias. Foi um dos acampamentos do período que mais sofreu perseguição e conflitos. Logo no inicio, no dia 23 de fevereiro de 1997, o latifundiário e seus pistoleiros passaram tratores sobre os barracos e atearam fogo em todos os pertences dos acampados. Representantes da direção do Movimento, juntamente com os acampados, conseguiram apoio da Associação Mãos Unidas, do Assentamento Barra da Onça, para que os acampados permanecessem em uma área da Associação até a fazenda ser liberada...
Depois de sete meses, saiu o decreto de desapropriação da fazenda, no dia 24 de setembro de 1997. Até então, os trabalhadores permaneceram na Associação. Reocupando o latifúndio, o fazendeiro conseguiu uma liminar de despejo junto à Comarca de Poço Redondo. O oficial de justiça, a mando da juíza dessa comarca, foi ao acampamento acompanhado de duas viaturas cheias de policiais e deu 24 horas para os acampados deixarem a área. Como era um período de Semana Santa, uma comissão de trabalhadores, juntamente com a direção do Movimento e da paróquia de Poço, conseguiram negociar com a juíza que revogou a liminar, adiando-a para mais sete dias. Durante esses dias, os acampados juntamente com a Igreja, o Sindicato e a direção do MST decidiram ocupar o Colégio Agrícola de Poço Redondo.
Os acampados permaneceram acomodados nessa ocupação do Colégio Agrícola até o dia 02 de junho de 1998, quando receberam imissão de posse. Porém, no dia 09 do mesmo mês, a juíza convocou representantes do acampamento para uma reunião no Fórum de Poço Redondo. Nesta reunião, estiveram presentes representantes do INCRA, do MST, dos acampados, o latifundiário e sua esposa (vereadora naquele período). O objetivo da reunião era pedir um prazo para que o latifundiário retirasse os animais da fazenda, no entanto, foi marcada uma nova reunião no dia 09 de julho, à qual o fazendeiro não compareceu, com a
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desculpa de que havia conseguido do ministério seis meses para permanecer na fazenda. Assim, os acampados reocuparam e tomaram posse da fazenda no dia 20 de julho, porém, passaram a conviver com o fazendeiro, que permaneceu na fazenda, entrando sempre em conflito com os trabalhadores que haviam conquistado a terra.
2.2.4 Ocupação da Fazenda Lagoa das Areias
Os trabalhadores que ocuparam a Fazenda Lagoa das Areias, em 04 de março de 1997, em sua maioria, eram oriundos da ocupação da CHESF, porém, uma boa parte desses trabalhadores tinha se envolvido com a luta já na ocupação da Fazenda Alto Bonito, a qual se tornou uma grande referência, pelo contingente de trabalhadores participantes e pelos que aderiram a essa luta.
Essa ocupação foi a que mais sofreu despejos, no período estudado. Pois, nos dois anos de acampamento, sofreram oito despejos, onde se fez presente a polícia de choque, evidenciando a violência contra os trabalhadores que lutam em busca de sua sobrevivência e permanência na terra.
Os trabalhadores, que eram cerca de 160 famílias, se organizaram em oito grupos de 20 e 25 famílias. A maioria dessas famílias morava permanentemente no acampamento, sendo que algumas cumpriam apenas as normas do acampamento e iam para suas casas, na cidade ou nos povoados do município.
As famílias que moravam no acampamento, sobreviviam da cesta básica que o INCRA distribuía mensalmente e trabalhavam em propriedades vizinhas do acampamento. Essa era uma tarefa especifica dos homens, enquanto as mulheres permaneciam no acampamento e assumiam as tarefas do mesmo.
Após a vistoria do INCRA, os acampados receberam imissão de posse em 29 de dezembro de 1999, assentando 160 famílias, que se organizaram em nove grupos de 20 a 25 famílias em cada um deles.
As ocupações conflitantes pela posse da terra, aqui relatadas, foram as que se originaram a partir da grande ocupação da CHESF, tendo sido fundamentais para o desenvolvimento de novas ocupações que se desdobraram em novas lutas e conflitos.
2.2.5 Outras ocupações do período
Após as lutas desencadeadas, da ocupação da CHESF e do Alto Bonito, já citadas nos itens anteriores, outras ocupações se deram no âmbito da organização interna do Movimento Sem Terra em Poço Redondo. Quer dizer, as ocupações citadas anteriormente
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fizeram parte de uma luta que se deu não só em Poço, mas em toda a região do sertão a partir da articulação daqueles 12 de março de 1996. Desde então, outras ocupações se deram em uma conjuntura de um Movimento organizado em uma articulação sólida no município.
Em 1997, ainda foram ocupadas a Fazenda Nova Mulungu, que foi desapropriada em 25 de novembro, assentando 10 famílias, e a fazenda Monte Santo, que tem parte de suas terras no município de Canindé do São Francisco e que assentou 25 famílias em 18 de abril de 2002.
No ano seguinte – 1998 –, foram ocupadas a Fazenda São José de Nazaré, por 26 famílias que foram assentadas em oito de outubro do ano seguinte; a Fazenda Santo Antônio, que se transformou, em 18 de abril de 2002, no assentamento Monte Santo II, assentando 25 famílias; e a Fazenda Novo Paraíso, que assentou 40 famílias em 16 de outubro de 2002.
Enquanto algumas fazendas eram desapropriadas, outras eram reivindicadas e ocupadas. Assim, em 1999, foi ocupada a fazenda Maralinas/Emendadas, que se transformou no assentamento Maria Bonita I, assentando-se 39 famílias em 16 de outubro de 2002; e a Fazenda Cajueiro, ocupada em 05 de janeiro por 112 famílias, sendo uma ocupação conflitante, com dois despejos, porém, em 10 de dezembro desse mesmo ano, foram assentadas as 112 famílias.
O núcleo regional do MST em Poço Redondo chega a 2000 como o maior do estado, contando com um grande número de famílias envolvidas e um quadro de militantes que exercia grande atuação na base do Movimento, nesse município.
2. 3 - Marchas e mobilizações
O período que vai de 1996, com a ocupação da CHESF, até o ano 2000, foi marcado por intensas mobilizações, entre elas, grandes marchas e atos de reivindicação em busca das conquistas. É nesse contexto que a luta do MST em Poço Redondo passa a ganhar forças organizativas, pois, em todas as mobilizações, sejam elas a nível regional, estadual e até nacional, os trabalhadores de Poço Redondo, sejam eles acampados ou assentados, têm grande participação.
Uma dessas mobilizações com participação massiva desses trabalhadores, principalmente daqueles que viriam a ocupar as instalações da CHESF, se deu com a ocupação da sede do INCRA/SE, no dia 13 de fevereiro de 1996. Os mesmos reivindicavam, principalmente, a agilidade no processo de desapropriação da Fazenda Cuiabá, em Canindé
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do São Francisco. No entanto, participaram trabalhadores oriundos de vários municípios do sertão, inclusive de Poço Redondo, pois os mesmos estavam escritos (cadastrados pelo sindicato) para a ocupação que veio a se dar no dia 12 de março.
Uma nova ocupação no INCRA se deu no período de 23 a 29 de julho do mesmo ano. Os trabalhadores reivindicavam o assentamento das 2800 famílias acampadas no estado, entre elas, aproximadamente 2 mil no sertão, sendo que mais da metade desse número em Poço Redondo.
Outra manifestação de destaque, nesse ano, foi a interdição, por sete horas, da rodovia SE206, que liga Canindé a Paulo Afonso/BA, no dia 11 de setembro, pelos trabalhadores acampados na Fazenda Cuiabá. Nessa manifestação, os trabalhadores reivindicavam as cestas básicas do INCRA, que estavam atrasadas.
Nessa manifestação, foram presos, por ordem da juíza, Carmem Maria Rosa de Araújo – que havia sido barrada pelos Sem Terra – o candidato a prefeito pela coligação PMDB/PT/PSB, José Antônio Soares e o proprietário do carro de som usado na manifestação, José Romilson Bonifácio. As prisões provocaram um grande tumulto em frente a delegacia. Os Sem Terra ameaçavam “invadir” o quartel da PM, mas foram contidos pelos lideres do Movimento. (CINTRA, p. 83, 1999)
Os acampados da Fazenda Alto Bonito, entre Poço Redondo e Canindé, reivindicando a desapropriação das terras para implantação do P. A. Jacaré Curituba – que estava ameaçado de ser entregue à iniciativa privada – interditaram, por oito horas, a rodovia que liga os dois municípios, em 03 de fevereiro de 1997.
Foto 9; Marcha do P. A. Jacaré Curituba a Canindé em comemoração ao dia do trabalhador rural – 25/07/1998
Fonte: Arquivo do MST/SE
No decorrer dos anos seguintes, as marchas se fizeram presentes nas lutas do MST em Poço Redondo. Fossem elas de caráter reivindicatório ou comemorativo, ou seja, varias
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marchas se deram dos acampamentos e dos assentamentos para as sedes dos municípios de Poço Redondo e Canindé, em comemoração à luta dos trabalhadores no sertão, como é o caso da marcha realizada no dia 12 de março. Foram, também, marchas que visavam à reivindicação dos meios para a realização da Reforma Agrária.
O destaque das grandes marchas se deram com a marcha nacional de 1998, que, em Sergipe, aconteceu de 24 de agosto a 07 de setembro. Saindo de Canindé a Aracaju, os trabalhadores, em sua maioria de Poço Redondo, percorreu aproximadamente 200 km com as mais diversas reivindicações. Juntando-se aos trabalhadores das demais regiões, os trabalhadores participaram do grito dos excluído, juntamente aos demais movimentos, no dia 07 de setembro.21
Saída da marcha de Canindé
Chegada à Aracaju
Fotos 10: Marcha de Canindé a Aracaju
Fonte: arquivo do MST/SE
Além das marchas, fossem pequenas ou grandes, essas mobilizações se deram, também, em outros âmbitos, em Poço Redondo, por reivindicações diversas dos trabalhadores acampados e assentados: ocupações nas agencias de bancos, principalmente do Brasil e Nordeste; interdição de rodovias, especificamente a SE 206, nos assentamentos Queimada Grande e Jacaré Curituba, com diversas reivindicações, principalmente dos créditos e em busca da realização da Reforma Agrária; como também saques na rodovia, protestando contra a fome nos assentamentos e acampamentos do município, reivindicando dos governantes medidas adequadas de superação do sofrimento das famílias assentadas e, principalmente, acampadas.
21 Relato pessoal, pois tive a oportunidade de participar da marcha e do ato na capital.
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As ocupações, marchas, interdição de rodovias, saques e outras formas de mobilizar e reivindicar foram intensos e fundamentais, nesse período, para a garantia de razoáveis condições de vida nos assentamentos e acampamentos, assegurando um avanço fundamental para a luta do MST no município.

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